Monografia - História das Ferrovias Paulistas

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Monografia - História das Ferrovias Paulistas

Mensagem não lida por AGV » 16 Jan 2009, 14:56

Fonte:

http://www.angelfire.com/ar/ufa/ferrovia.html

[quote]

Abaixo segue o trabalho de monografia sobre a História das Ferrovias, apresentado pelo associado Ivanil Numes, para o curso de Ciências Sociais, da UNESP.

- PROJETO DE PESQUISA

- AS FERROVIAS EM SÃO PAULO - 1860/1960

INTRODUÇÃO

- CAPÍTULO I

- CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA

1 - A ferrovia no Brasil
2 - As primeiras ferrovias
3 - Café e ferrovia
4 - Os barões do café
5 - A mão-de-obra e a ocupação da terra
6 - A ferrovia no contexto

- CAPÍTULO II

- AS TRANSFORMAÇÕES DO SISTEMA FERROVIÁRIO

- CAPÍTULO III

AS FERROVIAS DE FATO NAS MÃOS DO ESTADO

1 - A "solução" paulista
2 - O ponto de vista dos trabalhadores
3 - Privatização sem traumas

- CONCLUSÃO

- BIBLIOGRAFIA

- ALUNO - IVANIL NUNES

- CURSO - CIÊNCIAS SOCIAIS

- ORIENTAÇÃO - Profª Drª Vera Lúcia S. Botta Ferrante

- dez/1993



PROJETO DE PESQUISA

TEMA: AS FERROVIAS EM SÃO PAULO



OBJETIVO: Discutir a participação do Estado na formação do sistema ferroviário paulista.
METODOLOGIA: Será utilizado bibliografias referentes ao tema, bem como levantamentos primários a partir de relatórios anuais das ferrovias paulistas, à disposição na biblioteca ferroviária da FEPASA, localizada à rua Barra Funda 630, São Paulo.

SOBRE O TEMA

O discurso da ineficiência estatal, tema em moda lançado pelo neo liberalismo e corroborado pela real utilização do Estado para o atendimento de interesses privados, parece reproduzir na formação de uma determinada opinião na sociedade de que toda instituição governamental é por "natureza" corrupta, ineficiente, improdutiva, etc. No caso da ferrovia no Brasil, essa aparência é reforçada se observarmos as condições das suas linhas, locomotivas, vagões, trens de passageiros, etc. Utilizando tecnologia que em alguns casos ultrapassam cinquenta anos , traçado secular e forma de gestão ultrapassada, as ferrovias parecem aguadar segundo esse discurso, a "salvação" que virá da iniciativa privada para que o choque de racionalidade e eficiência interrompa essa etapa de marasmo em que se encontra esse patrimônio público.
É sobre esse raciocínio que nos parece falso, que passaremos a discutir no referido trabalho, restringindo porém o campo de pesquisa ao Estado de São Paulo e ao período 1930/1990. A escolha de São Paulo está pela sua importância econômica e política, assim como pelo entendimento de que a economia cafeeira foi responsável pela dinamização da ferrovia em sua caminhada para o oeste paulista a partir da necessidade econômica e política dos barões do café e atuais donos da agro-industria paulista, que continuam a se utilizar dos serviços dessa mesma ferrovia, agora porém, estatizada.
As grandes ferrovias em São Paulo nascem sob comando da inciativa privada e se desenvolvem, praticamente todo o seu traçado durante a chamada República Velha; porém, com forte indício dessa expansão se dar em total afinação com o governo do Estado, que sob hegemonia das oligarquias fazia da política de valorização do café uma forma de governar. Para se ter noção dessa expansão, podemos constatar que em 1901, havia no Estado um total de 3.471 quilômetros de linhas férreas(1), chegando-se em 1940 a atingir um total de 8.622 quilômetros(2), estagnando-se no período posterior ou mesmo reduzindo-se até os dias atuais.
Portanto, existem indícios que serão melhor elaborados no decorrer dessa pesquisa, de que a formação e expansão da ferrovia no Estado de São Paulo e mesmo sua encampação estatal após os anos 40 com o declínio do café, parecem ocorrer em sintonia com os interesses da agro-indústria paulista que desde a sua inauguração utiliza-se dessas ferrovias. Dessa maneira, fica prejudicado o discurso neo liberal em sua linha mestra uma vêz que o empresariado paulista, principalmente o agro-exportador, parece utilizar-se bem e a contento dessa ferrovia que o serve quase exclusivamente em detrimento do setor de passageiros que tem ficado excluido
das melhorias implementadas pelo Estado a partir dos anos 30. Assim, esse discurso neo liberal, essencialmente ideológico, poderia estar servindo muito mais na realidade, para uma nova readequação da relação empresariado/ferrovia, ou seja iniciativa privada e poder público, provavelmente através da tercerização,em função da privatização exigir grande quantidade de capitais que teria que ser ai aplicado.
Sendo assim, a participação estatal, no caso ferroviário continua a ser de atendimento a elite agroindustrial e aos seus interesses ainda hegemônicos no setor. Se atentarmos para o fato de que em 1970 as cinco empresas que vieram a formar a FEPASA - Estrada de Ferro Sorocabana, Cia Paulista de Estradas de Ferro, Cia Mogiana, Estrada de Ferro Araraquara e Estrada de Ferro São Paulo Minas - transportavam perto de dez milhões de toneladas com um total de 36 mil funcionários - e que esse mesmo conjunto de empresas, agora unificados sob direção estatal passou a a transportar 22 milhões de toneladas na década de 1990, poderemos perceber que o discurso da ineficiência estatal precisa ser melhor preparado para se mostrar pertinente, uma vêz que seus elementos não acertam o alvo, a saber o governo supostamente ineficiente. Se o discurso empresarial da privatização da vida social não considera as benesses recebidas em todos esses anos, certamente está maculado em sua estruturação pela carga ideológica neo liberal que procura "esconder" a real participação da elite nesse mesmo governo, ao mesmo tempo que utilizam-se do patrimônio público como "sempre" o fizeram, desde os barões do café, mesmo antes da República.

HIPÓTESES

1 - a ferrovia faz parte do complexo cafeeiro, portanto contribui para a realização do sistema de produção agro-exportador, uma vêz que, a implantação das ferrovias em São Paulo coincide com a hegemonia dos cafeicultores no aparelho do Estado, e sua expansão para o Oeste.

2 - O Estado contribuiu para a implantação das companhias férreas e assumiu a administração de diversas ferrovias diretamente, adequando-as para a construção de um sistema ferroviário, ampliando traçados e assumindo obras após o início da crise do complexo cafeeiro, iniciada no final do século XIX.

3 - O fim da chamada "era ferroviária" localiza-se por volta da década de 1940; coincide com fim dos regimes das oligarquias, crise da economia cafeeira, implantação do sistema ferroviário e indústria automobilistica nos anos 50.

4 - Os anos 1960/90, período em que o Estado, após assumir diretamente o controle das ferrovias passa a racionalizar o sistema, implementando corte de ramais considerados ociosos, diminuindo o número de empregados, aumentando a capacidade transportada e passando a fazer parcerias com a iniciativa privada, etc.

1 - A expansão do plantio do café ocorre na década de 1830; no mesmo período, a chamada Lei Feijó de 31 de outubro de 1835 estimulava a construção de uma Estrada de ferro que ligasse a capital do Império às províncias de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Bahia. Em 1840, o café passa a ser o principal produto de exportação(3) e a partir daí se expande do Rio de Janeiro para a Região do Vale do Paraíba, e do Vale para o interior paulista, utilizando a ferrovia como meio de transportes em substituição ao lombo de mulas, que custavam aproximadamente seis vezes mais que o transporte ferroviário(3). O período da economia cafeeira (1850/1929), coincide com o surgimento das ferrovias, que possuiam 14,5 quilômetros em 1854 e chegam em 1929 a 32 mil quilômetros, com alterações insignificantes a partir daí, chegando mesmo a se reduzir em relação aos anos 90. Por fazer parte desse complexo, as ferrovias também foram beneficiadas com a ação do Estado que contribuiu decisivamente para a implantação, expansão e em vários casos, a manutenção de companhias, aparentemente, dentro do mesmo principio da política de valorização do café que consistia em repatir a crise iniciada no início do século XIX, com o conjunto da sociedade(4).

2 - A Lei No 101, de 31 de outubro de 1835 assegurava privilégios à empresa que se dispusesse a construir estrada de ferro. Já a Lei No 641, de 26 de junho de 1852, além dos privilégios, garantia juros de até 5% que começariam a ser reembolsados aos Estado quando a situação da empresa propriciasse distribuição de dividendos superior a 5%. Além da taxa de 5% garantida pela União, províncias como São Paulo, Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro concediam juros suplementares de mais 2%(5).
Desde as primeiras ferrovias, o Estado intervém direta ou indiretamente. Vale citar o caso da Estrada de Ferro Dom Pedro II, primeira ferrovia brasileira, inaugurada em 1854; ao passar para o controle da União em 1865, amplia suas linhas, do pouco mais de cem quilômetros para aproximadamente 3.500 quilômetros. Através de recursos públicos, atingiu São Paulo (1875), Belo Horizonte (1895) e ampliou suas linhas no Estado do Rio de Janeiro. Também como investimento da União em São Paulo (e Mato Grosso), a construção da Estada de Ferro Noroeste do Brasil, com projetos iniciados após a Guerra do Paraguai , contempla a necessidade da expansão agrícola e integração nacional, ao ligar o "distante" Mato Grosso a Capital (Rio de Janeiro) no início desse século. A nível Estadual podemos citar: a) Estrada de Ferro Araraquara, inaugurada em 1898 (Araraquaa a Ribeirãozinho, atual Taquaritinga), passa para o controle do Estado em 1919, e após isso amplia suas linhas até a divisa com o Mato Grosso (Santa Fé do Sul), e entre várias obras de melhorias, podemos destacar a remodelação do traçado e adequação da bitola ao tráfego mútuo a Companhia Paulista de Estradas de Ferro
b) Estrada de Ferro Sorocabana, inaugurada em 1875, veio a falir em 1902, e após o período de breve encampação,foi vendida a um grupo norte-americano em 1907, retornando ao controle do Estado de São Paulo em 1919. Após a segunda encampação passou por ampliação de suas linhas e construção de ramais. Entre as obras importantes, destacamos a contrução do Ramal de Evangelista de Souza, concluido em 1935, que passou a possibilitar a ligação com o Porto de Santos em alternativa a Estrada de Ferro São Paulo Railway, (Santos a Jundiai).
c) Estrada de Ferro São Paulo minas, inaugurada em 1893, ligando Bento Quirino a São Sebastião do Paraiso, é encampada pelo governo Estadual em 1931 e após diversas obras, tem seu traçado adequado operacionalmente à Companhia Mogiana de Estradas de Ferro, a qual passa a interligar-se a partir de 1934.
d) A Companhia Mogiana de Estradas de Ferro, inaugurada em 1875 passa para o controle estatal em 1952.
e) A Companhia Paulista de Estradas de Ferro, inaugurada em 1872, passa para o controle acionário do Estado (somente) em 1961. As duas últimas têm em comum o fato de serem as últimas a "submeter-se" ao controle estatal após a denominada "era ferroviária".

3 - "Constituida pois, atendendo aos interesses e as conveniências dos fazendeiros, a rede ferroviária paulista, no seu aspecto arboricular, dá nos hoje a impressão de total ausência de plano, o que implica em que, superado o fundamento econômico que a motivou, pela natural itinerância do café, ou por decorrência de fatores externos que condicionaram o apelo as rodovias, elas tenham se tornado anti-econômicas, praticamente sem função em muitos de seus trechos que acabaram por sendo suprimidos".(6) Nesse sentido a Lei 2698 de 27 de dezembro de 1955, que passa a autorizar a erradicação de ramais considerados ociosos, vem a dar o golpe de misericórdia na era ferroviária em pleno governo JK. Era a consolidação da indústria automobilistica e do capital industrial, iniciada nos anos 30, que agora se definia enquanto hegemônicos no aparelho do Estado.

4 - A partir da década de 1960, a intervenção direta do Estado, a nível federal com a criação da RFFSA em 1957 e criação da FEPASA, a nível Estadual em 1971), uma nova etapa começa a ser implementada sob a tutela do Estado de São Paulo, quando a última grande estrada de ferro privada passa para o controle estatal em 1961. Nesse sentido, a organização de um sistema, com regras e diretrizes unificadas para o conjunto das ferrovias paulista, inicia-se formalmente a partir de 1961, quando o Instituto de Engenharia de São Paulo, em estudos realizados naquele ano sugeria a formação da RFP - Rede Ferroviária Paulista - sob controle estatal. Foram encaminhados projetos de Lei a Assembléia Legislativa nos anos de 1962, 66 e 1971, quando foi finalmente aprovado a formação da FEPASA - Ferrovia Paulista S/A.
Paralelo a essa discussão, em 29 de maio de 1967, a Estrada de Ferro São Paulo Minas, passa a ser administrada pela Companhia Mogiana, que já era estatizada desde 1952; A Estrada de Ferro Araraquara, no mesmo ano, passa a ser administrada pela Companhia Paulista de Estradas de Ferro. Reunidas à Sorocabana que já era estatal desde 1919, formam a "nova" empresa ferroviária que ao se constituir em 10 de novembro de 1971, através de Assembléia Geral de Fundação, contava com 36.665 funcionários, 5.251 quilômetros de vias, 622 locomotivas, 1109 carros de passageiros de longo percurso, 116 trens unidades para transporte urbano e 17.200 vagões transportando aproximadamente 10 milhões de toneladas/ano(7). Adotando uma política de racionalização do sistema sob controle estatal essas empresas reduzem o número de funcionários e aumentam a quantidade de cargas transportada com menos vagões. Em 1975 o quadro de funcionários é reduzido para 24.892, caindo em 1980 para 19.656, chegando em 1990 a apenas 18.603, além de paresentar tendências de quedas no ano de 1991, (17.658 empregados ativos)(7).
Esse conjunto de empresas, que fundiu-se numa só, na década de 90 (19 anos depois), apresenta dados, que apesar de não "falarem por sí" levanta questões que nos remete a avaliarmos a eficiência empresarial da gestão estatal no trato das ferrovias paulistas. Reduz o número de locomotivas para 496 (menos 20%); reduz a frota de carros de passageiros de longo percurso para 266 (menos 276%); reduz o número de funcionários, como vimos acima, para 18.603, (menos 42%); amplia (somente) os trens unidades para transporte urbano que passam a contar com 422 unidades (mais 263%) e para concluir a comparação entre os dois períodos, a quantidade transportada que é o produto fim da ferrovia aparece como síntese da suposta eficiência. Aumenta para 22 milhões de tonelada/ano com perspectivas de ampliação para 34 milhões de toneladas/ano a partir da segunda metade da década, considerando-se a expansão agrícola nas regiões Oeste e Noroeste do Estado e ampliação do volume de cargas em direção ao porto de Santos proveniente do Planalto central através da Ferronorte - Ferrovia Norte do Brasil S/A, que encontra-se em construção com prazo de conclusão em 1995, quando concluirá o tráfego mútuo com a FEPASA atraves da cidade de Santa Fé do Sul.



NOTAS

(1) - Pinto, Adolpho Augusto - História da Viação Pública de São Paulo. Typografia e papelaria Vanorden & Cia. São Paulo, 1903, p. 85.
(2) - Matos, Odilon Nogueira de - Café e ferrovias. Pontes editores, Campinas, 1990, p 163.
(3) - Silva, Sérgio - Expansão cafeeira e orígens da indústria no Brasil. Alfa omega, São Paulo, 7a edição, 1986, p.12
(4) - Furtado, CElso - Formação Econômica do Brasil. 23a edição, Companhia Editora Nacional, São Paulo, 1989, p. 178.
(5) - Matos, Odilon N de - Café e ferrovias. p.64.
(6) - idem, p 167/168
(7) - I relatório da fepasa - 1971/72




AS FERROVIAS EM SÃO PAULO (1860/1960)



INTRODUÇÃO


O objetivo de estudar as ferrovias em São Paulo surge em função de vários motivos, e entre tantos, podemos destacar alguns que merecem relevância. O conjunto da ferrovia brasileira, encontra-se atualmente, basicamente sob domínio estatal. Com pouco mais de 30.000 quilômetros em 1990, a ferrovia nacional é operada por cinco grandes empresas, quatro das quais de propriedade do governo federal : RFFSA (Rede Ferroviária Federal S.A.), CBTU (Companhia Brasileira de Transportes Urbanos), EFVM (Estrada Ferroviária Vitória à Minas) e EFC (Estrada de Ferro Carajás); de propriedade do governo do Estado de São Paulo, a FEPASA (Ferrovia Paulista S.A.) surgida na década de 70, resultado da fusão das antigas companhias de Estrada de Ferro Sorocabana, Mogiana, Paulista, Araraquara e São Paulo Minas; lidera o transporte ferroviário no Estado, com pouco mais de 5.000 quilômetros de via. As demais ferrovias do Brasil, Estrada de Ferro Campos do Jordão, E.F. Perus-Pirapora, E.F. Votorantim, E.F. Jari e E.F. Mineração Rio do Norte, atingem juntas perto de 1% da malha ferroviária nacional.
No total, a ferrovia transporta 22,5% das cargas brasileiras, segundo dados da CNT (Conferência Nacional dos transportes, Maio de 1992). Quanto aos produtos transportados, somente cinco mercadorias, minério de ferro, granéis agrícolas para exportação, combustíveis, produtos siderúrgícos e cimento, correspondem a 90% do total transportado, o que demonstra que um seleto grupo social de usuários utilizam o sistema ferroviário brasileiro.
Limitamos porém, a discussão ao Estado de São Paulo, sem perdermos de vista o contexto nacional que molda o sistema de transporte históricamente. Apesar de toda a limitação teórica, de tempo e demais dificuldades de trabalhador estudante, a intenção do seguinte trabalho está localizada na perspectiva de discutir a ferrovia como um modo de transporte que dentro do desenvolvimento histórico, econômico e político do Estado de São Paulo, saiu das mãos privadas, que inicialmente lançara as ferrovias na expansão do café, para a administração estatal, hoje tão atacada como "empreguista, corrupta e ineficiente". Não se trata de fazer apologia ao modo de gestão estatal, mas no caso da ferrovia, o Estado, a partir da crise da economia cafeeira iniciada na última década do século XIX passa a intervir adequando-as operacional e administrativamente, dotando as ferrovias paulistas de mecanismos que passam a possibilitar a criação de um sistema ferroviário paulista, formalmente constituído com a criação da FEPASA em 1971.
Logicamente que não podemos perder de vista, a cumplicidade existente em nossa história, entre as elites dominantes e o aparelho estatal. Assim, essas ligações perigosas entre classe dominante e Estado é que acabam por produzir o sistema ferroviário paulista. É nesse contexto histórico que a ferrovia faz parte do complexo cafeeiro contribuindo para a implantação do sistema de produção agro-exportador, iniciado na segunda metade do século XIX com a expansão para o Oeste.
Por outro lado, a intervenção Estatal esteve sempre presente na implantação e principalmente nas transformações ocorridas na ferrovia após o início da crise cafeeira, o que explicíta a forma como capital/governo andaram juntos para a formação do complexo cafeeiro, não apenas no caráter da expansão, mas nos objetivos, que no caso da ferrovia parecem "coincidir".
O fim da chamada "era ferroviária" localiza-se por volta da década de 1940, coincidindo com o "fim" do regime das oligarquias, crise da economia cafeeira e implantação do sistema rodoviário e indústria automobilística nos anos 50. Para Odilon Nogueira de Matos, "a rede ferroviária paulista, superado o fundamento econômico que a motivou, pela natural itinerância do café, ou por decorrência da fatores externos que condicionaram o apelo às rodovias, elas tenham se tornado antieconômicas, praticamente sem função em muitos dos seus trechos, que acabaram sendo suprimidos".
Ao meu entender, é justamente nesse momento de maior "ociosidade" do sistema que o Estado vai preencher o papel de "administrador" das ferrovias. A nível federal as diversas ferrovias já encampadas ou em vias de ser, acabam por serem organizadas em uma só empresa, a RFFSA. A nível Estadual, a encampação de grandes companhias que ainda funcionavam em sistema privado como a Cia. Mogiana de Estradas de Ferro em 1952 e Companhia Paulista em 1961, que reunidas às companhias já estatizadas, E.F. Sorocabana desde 1904, E.F. Araraquara desde 1919 e E.F. São Paulo Minas desde 1931, acabam por "redefinir" o quadro operacional e administrativo de todo o conjunto ferroviário nacional, com a criação da FEPASA.
Assim, o objetivo deste trabalho, fica sendo, na realidade, uma contextualização do sistema ferroviário paulista, sua formação, descrição, e na medida do possível, da trajetória desse sistema até a década de 1960 quando o governo assume diretamente um processo de reordenamento do conjunto das ferrovias no Estado de São Paulo.
O objetivo inicial que seria discutir as ferrovias em São Paulo - 1960/1990, fica para um segundo momento (pós graduação), diante da limitação de tempo e acúmulo de conhecimento do problema. Assim, esse trabalho, divido em três capítulos, que tratam da contextualização histórica da ferrovia (capítulo I) onde tento mostrar o processo social que a ferrovia "penetra" e qual é o seu papel; discuto no 2º Capítulo as transformações do sistema ferroviário, onde procuro demonstrar a ocupação do espaço seja pela expansao das linhas ou anexação de outras ferrovias menores; no 3º Capítulo, fica reservado para o papel do Estado enquanto "responsável" pela gestão das ferrovias paulistas, tentando mostrar a trajetória estatal na direção das ferrovias paulistas.
Para finalizar, se faz necessário lembrar do capítulo ausente desse trabalho. As ferrovias em São Paulo (1960/1990), fica então, como objetivo posterior por tratar-se do momento "vivo" dessa discussão, da qual esse trabalho serve como introdução ao problema que consiste em "elucidar" os seguintes questionamentos:
1- Apesar das ferrovias iniciarem-se basicamente como investimentos privados, acabam por submeterem-se muito precocemente ao controle estatal.
2- Entram em "declínio" juntamente com a crise da economia cafeeira, mas apesar de estatizadas, continuam a servir as mesmas elites que até hoje dominam a agro-indústria.
3- A quem serve essa ferrovia? qual o papel que o sistema ferroviário paulista cumpre para a sociedade uma vez que trata-se de uma empresa estatal.
4- Iniciar a pesquisa, eis o objetivo ...



CAPÍTULO I

CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA





1 - A FERROVIA NO BRASIL

A ferrovia no Brasil foi inaugurada em 30 de abril de 1854 ligando Porto Mauá a Raiz da Serra (Bahia de Guanabara a Petrópolis) numa extensão de 14,5 quilômetros. Isso vinte e quatro anos após a inauguração na Inglaterra, da primeira linha ferroviária a vapor e dezenove anos após a Lei Feijó, de 31 de outubro de 1835, que autorizava a construção de uma Estrada que ligasse a capital do Império as Províncias de Minas Gerais, Rio Grande de Sul e Bahia.(1) A distância da intenção da Lei e a disponibilidade de recursos para a construção desse empreendimento audacioso, parece ter diminuido somente no início da década de 1850, quando o café já havia se firmado como o principal produto de exportação brasileiro, e o governo, finalmente, proibido legalmente o tráfico negreiro, com consequências ao estímulo para novos investimentos de capital provenientes do tráfico. É nesse contexto, que a Lei Nº 641 de 26 de junho de 1852 cria bases para a construção ferroviária no Brasil, pois além dos benefícios da Lei Feijó de 1835, que garantia o direito de desapropriação de terrenos, uso de madeiras e outros materiais que fossem encontrados nos terrenos nacionais, isenção de impostos sobre trilhos, máquinas e outros materiais destinados a construção da ferrovia entre outros , inovou com o privilégio de zona, que impedia a qualquer outra empresa estabelecer estações em distância inferior a cinco léguas (trinta quilômetros), e garantia de juros de 5% por parte do Governo Imperial até o momento em que a situação econômica da Estrada propiciasse a distribuição de dividendos, quando deveria então reembolsar a União. Juros suplementares de 2%, também foram concedidos pelas Províncias a partir de 1852, como forma de estimular a construção das ferrovias, destacando-se num primeiro momento, a Bahia, São Paulo, Pernambuco e Rio de Janeiro.
A nível internacional, o período é demarcado pela Revolução
Industrial na Europa e Estados Unidos que acabou por produzir grandes centros urbanos impulsionando o mercado consumidor de matérias primas com consequências diretas na aplicação de novas técnicas de transporte marítimo e terrestre. (3) As transformações ocorridas no Brasil na metade do século XIX, estariam assim, diretamente relacionados a essa nova conjuntura internacional, que permitiria a substituição da economia açucareira,já decadente, pela cafeicultura, iniciando assim, uma nova etapa social, política e conômica com consequências na construção nas ferrovias brasileiras.





2 - AS PRIMEIRAS FERROVIAS



A Estrada de Ferro Dom Pedro II, posteriormente Central do Brasil, foi a primeira ferrovia brasileira. Surge como investimentos de capitais privados, no mesmo tempo e lugar da produção do café, garantindo assim, grande redução nos custos dos transportes e dividendos para seus acionistas. Utilizando cálculos de A d Taunay, Sérgio Silva concluiu que a economia foi cerca de 10% do preço do café na região fluminense no período de 1860/68, já que o custo do transporte ferroviário era seis vezes inferior ao das tropas de mulas (4).
Apesar da produção cafeeira da Provincia do Rio de Janeiro saltar de um milhão de sacas em 1835 para um milhão e meio em 1840; atingindo seu auge em 1882 com dois milhões e seiscentos mil sacas, e apesar da garantia de juros e demais incentivos da lei, essa ferrovia sob liderança privada de Irineu Evangelista de Souza, o Visconde de Mauá, não conseguiu acompanhar a expansão dos cafezais. Onze anos, foi o tempo de duraçao em operaçao sob regime de sociedade anônima, e assim, em 1865 a D. Pedro II é emcampada pelo governo da União sendo assim administrada até 1941 quando passa para o regime de autarquia sob a jurisdiçao do ministério de viação e obras públicas, tornando parte da RFFSA (Rede Ferroviária Federal S.A.) em 1957.(5) Após a estatizaçao, na época com pouco mais de cem quilômetros, a D. Pedro II, continuou a ser utilizada pelos fazendeiros como um poderoso instrumento de redução de custos. Assim, expandiu do pouco mais de cem quilômetros para aproximadamente três mil e quinhentos quilômetros atingindo o Estado de Sao Paulo (Bráz em 1875), Minas Gerais (Juiz de Fora em 1875 e Belo Horizonte em 1895) e ampliando suas linhas dentro do Estado de Rio de Janeiro.(6)
Wilson Cano, ao discutir os problemas encontrados pela ferrovia na região para constituir-se enquanto empreendimento rentável, aponta a crise econômica que apresentava a região após 1883, a saber: concorrência com o antigo sistema de pequenos portos fluviais e marítimos e suas rodovias, rede de armazéns existentes junto a esses portos e expansão ferroviária tardia, quando os cafezais já estavam maturados (exceto para a região oriental na década de 1870). Para esse autor, esses e outros fatores, teriam tornado a aplicaçao de capitais na ferrovia uma opçao negativa do ponto de vista privado,"tendo como único remédio a encampaçao"(7).
Um detalhe interessante revela-se porém, quanto a paticipaçao britânica nessa ferrovia. Os ingleses somente liberaram empréstimos a "D. Pedro II" após 1865, quando já estava sob dominio estatal. Diversas ferrovias, no mesmo período, acabaram por fazer empréstimos junto aos ingleses.Foi o caso da E.F. São Paulo e Rio que ainda particular em 1874, emprestou seiscentas mil libras de Londres e mais cento e sessenta e quatro mil e duzentas libras cinco anos depois. Essa estrada ligou a cidade de Sao Paulo a E.F.D.Pedro II em 1877, sendo ela também, comprada pelo governo federal em 1890, passando o empréstimo britânico a fazer parte do débito nacional. Em Minas Gerais, os ingleses emprestaram mil e cem libras à E.F. do Sapucaí em 1889 e três milhões e setecentos mil libras para a E.F. do oeste de Minas em 1893. Capitalistas ingleses emprestaram à Companhia Mogiana, Sorocabana, E.F. Ituana e Companhia Paulista, numa clara demonstraçao de ligaçoes inglesas nas linhas que serviam a regiao cafeeira.Algumas ferrovias, portanto, nao puderam pagar seus débitos e acabaram sendo encampadas pelos ingleses que passaram a administrá-las. Em fins de 1880, havia no Brasil onze Companhias Inglesas de estrada de ferro, subindo para vinte e cinco Companhias dez anos depois; segundo Graham, quase metade dos investimentos ingleses no Brasil antes de l914 (8).



3 - CAFÉ E FERROVIA



Ao estudar a origem da indústria no Brasil, Sérgio Silva parte da economia cafeeira por entende-la como principal centro de acumulação do capital no período por ele estudado (desenvolvimento e crise da economia cafeeira, substituição do trabalho escravo pelo assalariado, do desenvolvimento do mercado, da rápida expansão da estrada de ferro e aparição das primeiras indústrias)(9). Sérgio Milliet, ao estudar o roteiro do café, diz que "tudo gira em torno dele e à ele tudo se destina, homens, animais e máquinas. A terra cansada que ele abandona, se despovoa, empobrece, definha; a terra virgem que ele deflora, logo se emprenha de vida ativa, enriquece, progride. O fenômeno é visivel a olho nú" (10). Wilson Cano, ao estudar as raízes da concentração industrial de São Paulo, examina na primeira etapa desse trabalho, as origens da formação capitalista, do complexo cafeeiro de São Paulo, por entender que a atividade produtora do café, possui uma dinâmica que estimula os diversos componentes do complexo. Assim, o processo de formação do complexo cafeeiro teria estimulado a agricultura de alimentos e matérias primas, para atender ao mercado interno e externo; a atividade industrial, que inicialmente estava dirigida para a produção de beneficiamento de café, confecção de sacarias, embalagem e textil; expansão do sistema bancário, aperfeiçoamento do comércio de exportação e importação; desenvolvimento de atividade criadoras de infra-estrutura como portos, armazéns, transportes urbanos, comunicação e implantação e desenvolvimento do sistema ferroviário paulista (11).
Odilon Nogueira de Matos, utilizando estudos de Adolpho Pinto (História da Viação pública de São Paulo) ressalta que o sistema de comunicação de São Paulo não inicia exclusivamente com a construção das ferrovias. Apesar do isolamento do planalto paulista em relação ao litoral, o início do século XVII já desponta povoamentos como Taubaté, Jundiaí, Parnaíba, Itú, Sorocaba e Atibaia. A busca do ouro havia estimulado a entrada dos "paulistas" em direção a Cuiabá e Goiás, chegando até mesmo, a levar a capitania a reduzir-se a menos de um terço de sua área original, a ponto de extinguir-se enquanto região administrativa no período de 1748 a 1765. É como resultado desta inquietação paulista que Adolpho Pinto entende a construção de estradas que cortavam a Província de longa data, classificando sete estradas como principais na Província de São Paulo, existentes no início do século XIX. Saindo da Capital com exceção de uma são elas :
1- Para Vila da Constituição (atual Piracicaba) com cento e oitenta quilômetros, passando por Itú e Porto Feliz, onde inicia a navegação do Tiête.
2- Para Franca, passando por Jundiaí, Campinas, Mogi-Mirim, Casa Branca e Batatais, com quase quinhentos quilômetros.
3- Para divisa de Minas Gerais, passando por Juquerí, Atibaia e Bragança, com pouco mais de cem quilômetros.
4- Para o chamado Norte de São Paulo, passando por Mogi das Cruzes, Jacareí, São Paulo, São José dos Campos, Taubaté, Pindamonhangaba, Guaratinguetá, Lorena, Areias, indo até Bananal numa extensão de quase quatrocentos quilômetros.
5- Para Ubatuba, passando por Santos, São Sebastião e Caraguatatuba, numa
distância de duzentos e oitenta quilômetros.
6- De Santos a Iguape, passando por Itanhaém.
7- Dirigindo para o Paraná, através de Cotia, São Roque, Sorocaba, Itapetininga e Faxina (atual Itapeva).
De vários pontos dessas estradas partiam ramificações para outras Vilas e Freguesias (12). Existia assim, uma timida ocupação do território no estado de São Paulo, situação que será radicalmente alterada com a implantação da cafeicultura.



4 - OS BARÕES DO CAFÉ



A produção brasileira de café atinge um ritmo sem precedentes a partir da metade do século XIX. Enquanto isso a produção açucareira,ao contrário, tornara cada vêz menos promissora frente a concorrência da produção das Antilhas e E.U.A., além da diminuição da demanda européia devido a produção do açúcar a partir da beterraba. O café, por outro lado, apesar de introduzido no Brasil desde os começos do século XVII e cultivado por toda a parte para fins de consumo local, assume importância comercial, quando ocorre a alta do preço causada principalmente, pela desorganização da produção do Haiti.
Contido na expansão comercial, iniciada com a Revolução Industrial e atendendo as necessidades das metrópoles européias, é que o café transforma-se em produto de exportação. Salta assim, de terceiro produto da pauta de exportação brasileira na década de 18% dessas exportações, atrás do açucar e do algodão, para primeiro lugar na década de 1840, representando nesse momento mais de 40% do valor das exportações. Para Furtado, essa primeira fase da expansão cafeeira se concentrou na região montanhosa próxima à Capital, beneficiando-se de recursos semi-ociosos desde a decadência da mineração. Assim, a mão-de-obra e transporte (mula) relativamente abundante naquele momento, preço da terra, etc., permitiu a expansão da produção a ponto de quintuplicar a quantidade exportada entre 1821/1850, apesar dos preços apresentarem declínio entre os anos 30 e 40, chegando a desvalorizar-se em média 40% durante esse período (13).
A produção cafeeira segundo Furtado, passa a ser resposável pela formação de uma nova classe empresarial. Diferentemente dos podutores de açúcar do nordeste, que limitavam-se ao pólo da produção, deixando as atividades comerciais aos monopólios holandês ou português, os produtores de café desde muito cedo entrelaçaram os interesses da produção e do comércio. Essa nova classe dirigente estruturou-se com a aquisição de terras, recrutamento de mão-de-obra, organização e direção da produção, transportes, comercialização nos portos e interferência na política econômica e financeira. Perceberam a importância do governo como instrumento de ação econômica, e por essa consciência clara de seus próprios interesses que eles se diferenciam de outros grupos dominantes anteriores ou contemporâneos (14).
Alguns "obstáculos" porém, estavam presentes na expansão da produção cafeeira. Coincidentemente, durante a expansão do plantio na década de 1830, o governo imperial brasileiro instituiu em novembro de 1831 a Lei que proibia o tráfego. Na prática o tráfico internacional de negros, somente teria se estancado por volta de 1850 com a promulgação da Lei de 04 de setembro (Lei Eusébio de Queiroz), e diante das pressões inglesas que neste período chegam a beira do conflito armado. Dois grandes problemas precisavam ser suparados pelas elites cafeeiras: o problema da mão-de-obra e o uso da terra diante das necessidades da expansão da produção.



5 - A MÃO-DE-OBRA E A OCUPAÇÃO DA TERRA



A possibilidade da proibição do tráfico não era novidade para as classes dominantes da metade do século XIX. A questão do tráfico já era discutida desde 1815 com a assinatura do Tratado de Viena, Lei de novembro de 1831, promulgação da Lei Bill Aberdeen de 1845 (que sujeitava os navios brasileiros, traficantes de escravos, ao alto tribunal do almirantado e a qualquer tribunal do vice almirantado dentro dos domínios britânicos), e finalmente, a Lei Eusébio de Queirós de 4 de Setembro de 1850.
De certo modo, o problema da colonização do Brasil, e consequentemente a substituição da mão-de-obra escrava, já estava sendo ensaiada desde a experiência com núcleos estrangeiros que datam da vinda da corte de D. João VI para o Brasil em 1808, quando rompe-se as tradicionais restrições para a fixação de estrangeiros na colônia. Assim, os primeiros núcleos são formados no Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo, em Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
Segundo Emília Viotti da Costa, a imigração para o Brasil não chegava a entusiasmar, tendo em vista a precariedade das condições brasileiras em relação a possibilidade da imigração para os E.U.A., para onde se dirigia espontâneamente as correntes imigratórias (15). Enquanto isso, a convivência com medidas paliativas, como o tráfico inter-provincial e ensaios de colonização arrastaram-se até a década de 1840 quando a
pressão pela abolição chega ao limite. É diante da necessidade de ampliação da produção e a solução do problema da escassez de braços, que o senador Vergueiro, fazendeiro da região de Limeira, apresenta em 1845 uma emenda ao orçamento autorizando o governo a despender até duzentos contos com a importação de colonos, para o trabalho nas lavouras de café em forma de parcerias.
Os descontentamentos não tardaram a aparecer uma vêz que os
anseios do imigrante europeu, interessados em "fazer" riqueza, chocava-se frontalmente com os interesses dos fazendeiros, que viam nos "parceiros" somente forma de reprodução do capital. Um dos indícios de que os barões do café, "prepararam" o terreno para o recebimento dos imigrantes europeus, pode ser constatado com a promulgação da Lei Nº. 601 de 1850 (Lei de Terras), regulamentada em 1854 que dispunha sobre a ocupação da terra a partir daquele período. Enquanto até 1822 vigorou o regime de sesmaria, onde a apropriação legítima da terra era concessão do poder público, a partir de 1822, a falta de uma forma institucional específica de legitimação da apropriação, acabava sendo as ocupações ou posses. Nesse sentido a Lei de 1850/54, vem na prática, impedir o acesso a posse da terra pelos seguimentos marginalizados uma vêz que a apropriação legítima passa a ser feita através da compra junto ao Estado, ou através da "compra" de terras de pequenos produtores onde os argumentos das armas ditam os parâmetros da negociação.
A partir da Constituição de 1891, ocorre a transferência para os Estados federados, o domínio das terras devolutas. No caso do Estado de São Paulo, a Lei Nº. 323 de 22 de junho de 1895 dispunha sobre as terras devolutas, sua medição, marcação, aquisição, legitimação, etc. A ela seguiram mais cinco leis e dezesseis decretos até 1930, sintoma de que o poder público não conseguia regular com eficácia o processo real de apropriação de terras no Estado de São Paulo até esse período (16).



6- A FERROVIA NO CONTEXTO



O momento de surgimento da ferrovia em substituição ao transporte feito em "lombos de mula" se dá quando a classe dominante, diante da necessidade de ampliação da área plantada, busca soluções que não se limitam ao problema do transporte, da mão-de-obra, etc., mas ao conjunto da produção cafeeira. A ferrovia representava então, nova oportunidade de inversão para o capital cafeeiro, ao mesmo tempo em que provocava uma redução apreciável nos custos do transporte do café. Surge então, como parte do complexo cafeeiro, contribuindo para a realização do sistema de produção agro-exportador. Assim, apesar de sua formação enquanto empresa, construção e implantação passar por concessão estatal, atende basicamente às necessidades dessa elite empresarial que se torna hegemônica no aparelho de Estado até 1930. Portanto, toda a construção ferroviária de São Paulo acontece durante o período em que esses interesses agro-exportador dominam o aparelho do Estado, nas suas mais variadas instâncias.
A ferrovia em São Paulo surge após a primeira metade do Séc.XIX e ocupa geograficamente todos os pontos cardeais do Estado, montando uma verdadeira rede de captação de café em diração ao porto. Seu período de construção e de expansão também é limitado ao tempo em que as oligarquias dominaram o aparelho de Estado. De 1867 até a década de 1930 estava "concluida" a ocupação ferroviária paulista. Nesse período, dezoito ferrovias foram formadas para atender basicamente ao transporte de café. Desse total, nove com menos de cem quilômetros, serviam praticamente de ramais de captação de cargas para as grandes e médias companhias a saber:

Estrada de Ferro Sorocabana 2.074 Km
Companhia Mogiana de Estradas de Ferro 1.954 Km
Estrada de Ferro Noroeste do Brasil 1.539 Km
Companhia Paulista de Estradas de Ferro 1.536 Km
Estrada de Ferro Araraquara 379 Km
São Paulo Railway 246 Km

Esta última era a única ligação ferroviária com o Porto de Santos até a década de 1930.
Como se sabe, esgotada a possibilidade de expansão do café na região do Vale do Paraíba, sua marcha prosseguiu em direção ao interior do Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espiríto Santo e em direção ao Oeste Paulista, onde o problema de delimitação de terra já havia sido resolvido para os ricos fazendeiros desde a já citada Lei de Terras de 1850/54. Entretanto, uma nova etapa começava em direção ao Oeste Paulista. Enquanto as regiões do Vale do Paraíba, Norte de São Paulo e Sudeste de Minas Gerais, eram servidas pela Estrada de Ferro D. Pedro II, na região Oeste o transporte era feito de forma bastante rudimentar e cara. O "lombo de mula" impedia a expansão da fronteira cafeeira, sendo que antes da inauguração das ferrovias em São Paulo, o plantio limitava-se no ano de 1854 praticamente à região Norte com 77%, seguido pela região Central (Capital, Campinas, Sorocaba e outras), com aproximadamente 14% da produção paulista.
Esse quadro parece mudar, porém, a partir de 1870 quando a produção paulista passa a representar 16% do total brasileiro atingindo 40% em 1885. A produtividade do oeste paulista dada a maior fertilidade do solo, menor idade média dos cafezais, técnicas agrícolas mais eficientes, utilização de máquinas de beneficiamento de café, cuja fabricação já se desenvolvia na década de 1870, representavam maior lucratividade e novas plantações, com consequente aumento da distância entre a produção e o porto. Para demonstrar a expansão do café no Estado de São Paulo, Sérgio Milliet "divide" o Estado em sete zonas geográficas por ordem de surgimento da plantação de café, a saber.
1 - Zona Norte - (inclusive o litoral) com os seguintes municípios: Aparecida, Areias, Bananal, Buquira, Cachoeira, Caraguatatuba, Cruzeiro, Cunha, Guararema, Guaratingueta, Igaratá, Jacareí, Jambeiro, jataí, Lagoinha, Lorena, Mogi das Cruzes, Natividade, Paraibuna, Pindamonhangaba, Pinheiros, Piquete, Quelúz, Santa Branca, Santa Isabel, São José dos Campos, São José do Barreiro, São Luiz do Paraitinga, São Sebastião, Silveiras, Taubaté, Tremembé, Ubatuba e Vila Bela.
2 - Zona Central (abrangendo a capital) com os seguintes municípios: Piracaia, Bragança, Campinas, Piracicaba, Itapetininga, Piedade, Una, Angatuba, Anhembi, Araçariguama, Atibaia, Bofete, Cabreúva, Campo Largo, Con-chas, Capivari, Cotia, Guareí, Indaiatuba, Itatiba, Itú, Joanópolis, Jundiai, Juqueí, Laranjal, Monte-Mór, Nazaré, Parnaibas, Pereiras, Piedade, Porangaba, Porto Feliz, Rio das Pedras, Salto, Santa Bárbara, São pedro, São Roque, Sarapuí, Sorocaba, Tatuí, Tietê e Vila Americana.
3 - Zona Mogiana - Amparo, Altinópolis, Batatais, Brodósqui, Caconde, Cajurú, Casa Branca, Cravinhos, Espírito Santo do Pinhal, Franca, Guará, Igarapava, Itapira, Ituverava, Jardinópolis, Mogi-Mirim, Mogi-Guaçú, Mocóca, Nuporanga, Orlândia, Patrocínio do Sapucaí, Pedregulho, Pedreira, Ribeirão Preto, Sertãozinho, São João da Boa Vista, São José do Rio Pardo, São Joaquim, São Simão, Santo Antônio da Alegria, Santa Rosa, Serra Azul, Socorro, Tambaú, Itapiratiba e Vargem Grande.
4 - Zona Paulista - Araras, Araraquara, Barretos, Bebedouro, Cajobí, Colina, Descalvado, Guaíra, Guariba, Jaboticabal, Leme, Limeira, Monte Azul, Olimpia, Palmeiras, Piraçununga, Pitangueiras, Porto Ferreira, Rio Claro, São Carlos, Santa Cruz da Conceição, Santa Rita do Passaquatro e Viradouro.
5 - Zona Araraquarense - Ariranha, Barra Bonita, Bariri, Bica de Pedra, Boa Esperança, Borborema, Brotas, Catanduva, Cedral, Dourado, Dois Córregos, Ibirá, Ibitinga, Itápolis, Inácio Uchoa, Jaú, José Bonifácio, Matão, Mineiros, Mirassol, Monte Alto, Monte Aprazível, Mundo Novo, Nova Granada, Novo Horizonte, Pederneiras, Pindorama, Potirendaba, Ribeirão Bonito, Rio Preto, São José da Bocaiúva, Santa Adélia, Iabapuã, Tanabi, Tabatinga, Taquaritinga e Torrinha.
6 - Zona Noroeste do Brasil e Alta Paulista - Araçatuba, Avaí, Avanhandava, Baurú, Cafelândia, Birigui, Coroados, Duartina, Gália, Garça, Glicério, Iacanga, Lins, Marília, Penápolis, Pirajuí, Piratininga, Presidente Alves e Promissão.
7 - Zona Sorocabana - Agudos, Assis, Avaré, Bernardino de Campos, Cândido Mota, Cerqueira César, Xavantes, Conceição do Monte Alegre, Espírito Santo do Turvo, Fartura, Ipauçú, Itatinga, Lençóis, Maracaí, Óleo, Ourinhos, Palmital, Paraguaçú, Pirajuí, Platina, Presidente Prudente, Presidente Wenceslau, Quatá, Salto Grande, Santa Bárbara do Rio Pardo, Santa Cruz do Rio Pardo, São Manuel, São Pedro do Turvo e Santo Anastácio.
A partir dessa divisão levanta os seguintes dados em porcentagem das regiões acima citadas, por ordem de sugimento do café.



ZONA


1836


1854


1886


1920


1935
Norte 86,50 77,46 19,99 3,47 7,90
Central 11,93 13,90 29,00 12,58 1,71
Mogiana 0,14 2,31 21,81 35,53 16,20
Paulista 1,43 6,32 23,69 18,77 11,64
Araraquarense 0,00 0,00 4,05 18,74 26,93
Noroeste 0,00 0,00 1,26 3,27 23,92
Sorocabana 0,00 0,00 0,00 7,59 12,51

fonte: Milliet, Sérgio - O Roteiro do Café e outros ensaios. p.24

Esses dados levantados por Milliet, apesar de limitados ao café, como se esse tivesse autonomia em relação aos homens que nele trabalham, mostram a rapidez com que acontece esse deslocamento da produção cafeeira. As consequências para a região que o café "abandona" são retratadas por Monteiro Lobato em "Cidades Mortas" e outros escritos. Dá-nos a dimensão do que foi a passagem da economia cafeeira para a população do Vale do Paraíba. Ao falar de Jeca Tatú, na realidade retrata uma população sub-nutrida, marginalizada socialmente, sem acesso a cultura e acometida de toda a sorte de doenças endêmicas. Em "Negrinha" o autor aborda o preconceito racial após a Abolição onde personagens da elite (senhoras gordas), num gesto de falsa bondade, "adotam" meninas negras para escravizá-las em trabalhos caseiros.
Ao capital não interessa a lógica dessa população. A expansão é a sua lógica, a ferrovia um dos seus veículos. Parece ironia que essa mesma ferrovia venha a entrar em decadência após a década de 1940, quando passado a liderança do café na economia paulista, diversos trechos são fechados por serem considerados improdutivos. Morrem assim, como vítimas que algum dia girou em torno do senhor café e seus barões; a ferrovia também abandonada "empobrece, definha", e acaba adotada pelo Estado, também num falso gesto de bondade, que como as "negrinhas" em Monteiro Lobato, continuam a servir como sempre serviram, nesse caso, aos novos donos da agro-indústria pós café, que continuam a escoar "sua" produção para o Porto de Santos em busca de dólares.
Juntamente com essa expansão segue a população, que em 1874, basicamente, ocupava o Vale do Paraíba, Região Central e Mogiana. Flávio Azevedo Marques de Saes, diz que 80% da população paulista ocupava essas três regiões nesse período, e que os três elementos, café, população e ferrovia caminham juntos a partir da segunda metade do século XIX (17). Sobre as condições da maioria trabalhadora nessa caminhada, trabalhos de Emília Viotti da Costa (Da Monarquia a República) e Brasílio Salum Jr (Capitalismo e Cafeicultura) e outros, indicam o quanto foi dolorosa essa "caminhada". A posse da terra garantida para os grandes fazendeiros, o processo de Abolição e imigração, a cumplicidade oligárquica com o aparelho de Estado são questões fundamentais que precisam ser aprofundadas no futuro para entendermos melhor o processo de formação das ferrovias em São Paulo. Essas questões estão presentes de maneira decisivas no contexto em que as grandes estradas de ferro são formadas para atender a resolução desses e outros impasses colocados à lógica da expansão capitalista em direção ao Oeste. Vale dizer, que não podemos perder de vista todo o quadro de disputas que existiu na expansão do oeste paulista para não corrermos o risco de fazermos apologia a história dos "vencedores", no caso os barões de café, que aparentemente teriam implementado seus projetos, como se fossem a única alternativa para a colonização e povoamento do Estado de São Paulo, como insiste a "história oficial".
Voltando ao quadro da expansão da produção cafeeira do Vale do Paraíba para o interior paulista, veremos que existe "coincidência" entre essa expansão e a construção da rede ferroviária paulista. Adolpho Augusto Pinto escreve em 1903 que o "desenvolvimento das estradas de ferro em São Paulo não obedeceu a um plano geral previamente delineado; as malhas da grande rede de viação (...) foram tramadas dia a dia, sem nenhuma preocupação de conjunto ou coordenação de partes visando um certo resultado geral, ao menos nos primeiros tempos". Mesmo assim, "apesar de não ter presidido a sua formação um princípio geral de méthodo, entretanto as linhas férreas de fato se desenvolveram por modo a virem as suas partes a formar mais tarde um sistema geral, relativamente bem delineado" a ponto de "o traçado desse tronco normalmente ser sensivelmente retilíneo em direção ao porto de Santos em sua extensão total de cerca de 500 quilômetros"(18).
Parece haver um certo consenso de que o traçado acompanha o escoamento da produção para o porto de Santos. Se observarmos o mapa atual das ferrovias paulistas, veremos que todos os seus extremos convergem para a capital onde "afunilam-se" em direção ao porto. Se observarmos a expansão da produção cafeeira em relação a expansão ferroviária, veremos que ambas seguem lado a lado. Utilizando a tabela de expansão cafeeira organizada por Milliet, constatamos que a região norte lidera a produção do café até a década de 1850, diminuindo relativamente, cinquenta e sete pontos percentuais em relação ao período posterior, 1886. No mesmo período a região central e paulista que em 1836 representavam juntas pouco mais de 13% da produção paulista, em 1886 representavam 74,5% dessa produção. É sintomático que nesse período, ocorra o grande momento das ferrovias com a ligação de Jundiai a Santos em 1867, inauguração da Companhia Paulista em 1872 e Companhia Mogiana em 1875. Regiões que nem mesmo apareciam nas estatísticas de produção de café no Estado, como a Araraquarense, Noroeste e Sorocabana, em 1886, timidamente já aparecem como iniciando a produção, representando 5% do total produzido em São Paulo. Essas três últimas regiões "despertam" para a produção cafeeira entre 1886 e 1935, quando juntas chegam a representar 29,6 do total da produção paulista em 1920, chegando a 63,36% em 1935.
No mesmo período é inaugurado a Companhia Ituana em 1873 (que acabou por fundir-se à Sorocabana em 1893); Estrada de Ferro Sorocabana em 1875; Estrada de Ferro Araraquara em 1898 e Estrada de Ferro Noroeste do Brasil em 1904, encerrando-se assim, o período de formação de grandes companhias férreas em São Paulo. Esse período, marcado pela grande quantidade de inauguração de estradas de ferro não se limita a essas seis grandes ferrovias; apesar de serem inegavelmente as mais importantes em suas respectivas regiões.
Segundo Adolpho A Pinto (19), na virada do século, existiam dezoito ferrovias em São Paulo, a saber:
Estradas de ferro em tráfego a 31 de dezembro de 1901

Nome


Extensão em Km
Estrada de Ferro Central do Brasil 276
São Paulo Railway Company 139
Cia. Paulista de Vias Férreas e Fluviais 863
Cia. Mogiana de Estradas de Ferro 901
Cia. União Sorocabana e Ituana 905
Cia. Estrada de Ferro Bragantina 52
Cia. Estrada de Ferro Itatibense 21
Cia. Estrada de Ferro Araraquara 83
Cia. Interesses Locais 16
Estrada de Ferro do Bananal 11
The Minas and Rio Railway 25
Cia. Agrícola Fazenda Dumont 23
Ramal Férreo Campineiro 43
Cia. Carril Agrícola Funilense 41
Cia. Estrada de Ferro do Dourado 20
São Paulo T. L. and Power Company 22
Cia. Ferro Carril Santista 9
Tramway da Cantareira 21
TOTAL 3.471

De onde se conclui, que em linhas gerais, o traçado ferroviário paulista já se encontrava definido na virada do século, e apesar de ter sido ampliado nos anos seguintes até a década de 1930 e reduzido sensivelmente a partir dos anos 60, pouco se altera se compararmos 1901 a 1990.
Passado o período de hegemonia das oligarquias e expansão do plantio cafeeiro, em 1940 as ferrovias paulistas apresentavam o seguinte quadro, segundo Odilon Nogueira de Matos(20):



Ferrovias Paulistas


extensão em quilômetros - 1940 -
Estrada de Ferro Sorocabana 2.074
Cia Mogiana de Estradas de Ferro 1.959
Estradas de Ferro Noroeste do Brasil 1.536
Estrada de Ferro Araraquara 379
Estrada de Ferro do Dourado 317
São Paulo Railway 246
Estrada de Ferro São Paulo Minas 180
Estrada de Ferro São Paulo Goiás 148
Estrada de Ferro Campos do Jordão 47
Estrada de Ferro do Morro Agudo 41
Estrada de Ferro do Monte Alto 32
Ramal Férreo Campineiro 31
Estrada de Ferro Jaboticabal 25
Estrada de Ferro Itatibense 20
Estrada de Ferro Perus-Pirapora 16
Estrada de Ferro Barra Bonita 18
Estrada de Ferro Votorantim 14
TOTAL 8.622


Se classificarmos essas ferrovias em grandes, superiores a 500 quilômetros, médias, acima de 100 quilômetros e pequenas, com menos de 100 quilômetros, veremos que apenas as quatro grandes possuem em 1940 o equivalente a 82,5 da extensão dos trilhos paulistas. As cinco médias atingem 14,7 do total, enquanto as pequenas, num total de nove ferrovias não chegam a atingir 3% do total.
Odilon Nogueira de Matos entende que em 1940 se deu o fim da chamada "era ferroviária", uma expressão bastante feliz, se considerarmos a verdadeira operação desmanche ocorrida na ferrovia a partir desse período. Um novo quadro de redefinição a partir de 1940, acabou por moldar uma ferrovia com as características atuais. Na realidade um verdadeiro sistema ferroviário, que nasce a partir da década de 1960, sob controle estatal, como veremos a seguir.

NOTAS

(01) - Matos, Odilon Nogueira de - Café e ferrovias (A evolução ferroviária de São Paulo e o desenvolvimento da cultura cafeeira). Pontes editores, Campinas, 1990, p.59.
(02) - Idem, p.64.
(03) - Graham, Richard - Grã-Bretanha e o início da modernização no Brasil. 1850 - 1914. brasiliense, São Paulo, 1973, p.32.
(04) - Silva, Sérgio - Expansão cafeeira e orígens da indústria no Brasil. 7ª edição, Alfa Omega, São Paulo, 1986, p.51.
(05) - I Centenário das Ferrovias Brasileiras - diversos autores. Serviço gráfico do IBGE, Rio de Janeiro, 1954, p.135
(06) - Guia Geral das Estradas de Ferro e Empresas de Transportes com Elas Articuladas - Contadoria Geral dos Transportes, Rio de Janeiro, 1960.
(07) - Cano, Wilson - Raízes da concentração industrial em São Paulo. Hucitec, São Paulo, 3ª edição, 1990, p.28 a 30.
(08) - Graham, Richard - Grã-Bretanha e o início da modernização do Brasil. op cit. p.59 e seguintes.
(09) - Silva, Sérgio - Expansão cafeeira e orígens da indústria no Brasil, p.12.
(10) - Milliet, Sérgio - O roteiro do café e outros ensaios. Hucitec, 4ª edição, São Paulo, 1982. (1ª edição de 1938).
(11) - Cano, Wilson - Raízes da concentração industrial em São Paulo.p.20 (12) - Matos, Odilon Nogueira de - Café e ferrovias. p.29, 39 e 40
(13) - Furtado, Celso - Formação Econômica do Brasil - 23ª edição, Companhia Editora Nacional, São Paulo, 1989, p 110 a 114.
(14) - Idem, p.116
(15) - Costa, Emília Viotti da - Da monarquia a Rpública. Momentos decisivos. 3ª edição, brasiliense, São Paulo, 1955, p 162 a 163.
(16) - Salum Jr, Brasilio - Capitalismo e cafeicultura. Oeste paulista: 1888 - 1930. Livraria Duas cidades, São Paulo, 1982, p. 13 a 17.
(17) - Saes, Flávio Azevedo Marques de - As ferrovias de São Paulo (1870 - 1940), Hucitec, São Paulo, 1981. p.37 e seguintes
(18) - Pinto, Adolpho Augusto - História da Viação Pública de São Paulo. Typografia e papelaria Vanorden & Cia. São Paulo, 1903, p.85
(19) - idem, p.230 a 232
(20) - Matos, Odilon Nogueira de - Café e ferrovias. p.163



CAPÍTULO II

AS TRANSFORMAÇÕES DO SISTEMA FERROVIÁRIO



A crise da economia cafeeira não ocorre isoladamente em 1929. Na realidade se arrasta desde 1893 com a crise econômica dos EUA com graves conseqências para o preço da saca de café no mercado mundial. Utilizando mecanismos de depreciação externa da moeda, a elite cafeeira acabava por repassar para a sociedade a sua crise procedente da queda dos preços do café. Políticas como o convênio de Taubaté de 1906, consistia em intervenção do governo através da compra de excedentes utilizando empréstimos externos e desencorajamento da expansão das plantações. Para Celso Furtado, o "êxito financeiro da experiência veio a consolidar a vitória dos cafeicultores que reforçaram seu poder até 1930 logrando submeter o governo central aos objetivos de sua política econômica".(1) O complicado e caro mecanismo de defesa da economia cafeeira não resistiu porém à crise mundial de 1929.
Apesar de considerarmos que essa crise afetou diretamente a ferrovia tendo em vista as implicações da economia cafeeira na estrada de ferro não podemos ligar mecanicamente ambos seguimentos econômicos; porém, é inegável que a partir de 1940, um novo rumo acaba sendo construido para as ferrovias. Passamos então a descrever as ferrovias paulistas existentes em 1940 para explicarmos posteriormente a forma como se deram essas transformações que acabaram por formar o atual sistema ferroviário paulista. Assim, não devemos perder de vista que basicamente toda a rede ferroviária paulista formou-se no período entre 1880 e 1940, quando pequenas, médias e grandes ferrovias se formaram dentro de um verdadeiro surto ferroviário,e que, após esse surto, passaram por um processo de total reestruturação operacional e administrativa para a daptar-se a realidade político-econômica pós anos trinta.
Utilizando dados levantados por Odilon Nogueira de Matos sobre as ferrovias em São Paulo em 1940, classificamos as estradas de ferro existentes no período em três categorias, segundo a extensão de sua malha:pequenas, com menos de cem quilômetros; médias, entre cem e quinhentos quilômetros e grandes, com mais de 500 quilômetros de vias férreas.

Ferrovias Paulistas


extensão em quilômetros - 1940 -
Estrada de Ferro Campos de Jordão 47
Estrada de Ferro Morro Agudo 41
Estradas de Ferro Monte Alto 32
Ramal Férreo Campineiro 31
Estrada de Ferro Jaboticabal 25
Estrada de Ferro Itatibense 20
Estrada de Ferro Perus-Pirapora 16
Estrada de Ferro Barra Bonita 18
Estrada de Ferro Campos do Jordão 47
Estrada de Ferro do Morro Agudo 41
Estrada de Ferro do Monte Alto 32
Ramal Férreo Campineiro 31
Estrada de Ferro Jaboticabal 25
Estrada de Ferro Itatibense 20
Estrada de Ferro Perus-Pirapora 16
Estrada de Ferro Barra Bonita 18
Estrada de Ferro Votorantim 14
SUB-TOTAL 244
Estrada de Ferro Araraquara 379
Estrada de Ferro Dourado 317
São Paulo Railway 246
Estrada de Ferro São Paulo Minas 180
Estrada de Ferro São Paulo Goiás 148
SUB-TOTAL 1.270
Estrada de Ferro Sorocabana 2.074
Cia Mogiana de Estrada de Ferro 1.959
Estrada de Ferro Noroeste do Brasil 1.539
Cia Paulista de Estrada de Ferro 1.536
SUB-TOTAL 7.108
TOTAL 8.622


fonte: Matos, Odilon Nogueira de - Café e ferrovias. p 163.


Assim, essas pequenas ferrovias, que somavam juntas 244 quilômetros, menos de 3% do total, de maneira geral funcionavam como captadoras de carga para as ferrovias maiores. São importante no contexto da economia cafeeira por integrar fazendas distantes aos grandes corredores de exportação formado pelas grandes ferrovias. São elas:
ESTRADA DE FERRO CAMPOS DO JORDÃO (47 quilômetros) - Com sede em Pindamonhangaba funciona praticamente como um ramal da E.F. Central do Brasil. Propriedade do governo de São Paulo, destaca-se pelo seu caráter social ao servir área destinada a saúde pública e ao turismo.
ESTRADA DE FERRO DO MORRO AGUDO (41 quilômetros) - Com sede em Jundiai, propriedade particular, funciona como subsidiária da Companhia Paulista; transporta a produção de algumas fazendas de café por onde passa, utilizando material operacional cedido pela Paulista.
RAMAL FÉRREO CAMPINEIRO (31 quilômetros) - Com sede em Campinas. Iniciou operação em outubro de 1890 como propriedade particular, funcionando na prática como um ramal da Companhia Paulista.
ESTRADA DE FERRO JABUTICABAL (25 quilômetros) - De propriedade particular, com sede em Jundiai, era controlada pela Companhia Paulista que detinha a maioria das ações. Funcionava como ramal dessa companhia utilizando inclusive, vagões e locomotivas pertencentes à "Paulista".
ESTRADA DE FERRO ITATIBENSE (20 quilômetros) - Com sede em Itatiba, propriedade particular, tinha como ponto de contato com a Companhia Paulista a cidade de Louveira. Transportava algodão, milho couro, lenhas, madeiras e pedras para as linhas da "Paulista".
ESTRADA DE FERRO PERÚS-PIRAPORA (16 quilômetros) - De propriedade do governo Estadual. Na realidade funcionava como um ramal que sai da estação de Perus, (da E.F. São Paulo Railway) e atende a uma fábrica de cimento transportando empregados, cimento e calcáreo.
ESTRADA DE FERRO BARRA BONITA (18 quilômetros) - Com sede administrativa em Jundiai, de propriedade particular; sob controle acionário da "Paulista" funcionava como captadora de cargas tendo como ponto de contato com essa ferrovia a cidade de São Carlos.
ESTRADA DE FERRO VOTORANTIM (14 quilômetros) - Com sede em Votorantim, propriedade particular, tal como a Perus-Pirapora, mal classificada como Estrada de Ferro, na prática funcionava como ramal da Sorocabana tendo como ponto de contato com essa companhia, a estação de Paula Souza, transportava cimento, cal e empregados.
Entre as ferrovias médias podemos destacar:
ESTRADA DE FERRO ARARAQUARA (379 quilômetros) - Autorizada a construção em 17 de setembro de 1895, ligando Araraquara a Ribeirãozinho, (atual Taquaritinga), tendo como diretores os "barões do café" araraquarenses, Carlos Batista Magalhães, Antônio Lourenço Corrêa e Antônio Joaquim de Carvalho. A construção dessa ferrovia, também coincide com a expansão da produção cafeeira na região, que segundo Milliet, já produzia mais de 4% da produção do Estado com tendência de crescimento.
Em 1898 é inaugurado o trecho até Bueno de Andrade, chegando a Matão no ano seguinte, concluindo o traçado em 1901. Passa a funcionar em regime de tráfego mútuo com a Estrada de Ferro Rio Claro a Araraquara, que já operava em Araraquara desde 1886, ligando essas duas cidades. No ano de 1906, novas concessões foram outorgadas. Pelo Decreto No 663 de 16 de setembro de 1908 ficou autorizado a construção do Ramal de Santa Joséfa (atual Silvânia) a Ibitinga; pelo Decreto 7.245 de 24 de setembro de 1908, ficou autorizado o prolongamento da linha tronco de São José do Rio Preto a Jataí em Goiás, passando por Francisco Sales em Minas Gerais. Esse projeto ambicioso, apesar de não sair da prancheta da EFA, voltou a ser discutido em 1940, na Secretaria de Viação, sob o título de "Ligações do Triângulo Mineiro e de São Paulo por Estradas de Ferro e de Rodagem com Goiás e Mato Grosso". Sugere esse estudo, o prolongamento da EFA até Cuiabá ligando o Mato Grosso ao litoral paulista, bem como articulações com linhas de navegação da Bacia do Paraná, dos rios Taquari, São Lourenço e Cuiabá, e consequentemente, Paraguai podendo mais tarde atingir as vertentes amazônicas; outra opção desse projeto seria a expansão até Jataí depois de atravessar o Rio Grande nas proximidades do Porto Quissoça ou da Cachoeira dos Indios, para articular-se no final com a navegação fluvial do Rio Araguaia.(2)
Após atingir Pindorama em 1909 num total de 128 quilômetros, a Estrada de Ferro Araraquara foi adquirida por um consórcio de engenheiros que também detinha quase totalidade das ações da Estrada de Ferro São Paulo Goiás e Estrada de Ferro do Dourado. Reinicia assim o avanço ambicioso rumo ao Mato Grosso. Atinge São José do Rio Preto em 1912, distante mais de 200 quilômetros do ponto inicial, abrindo falência dois anos depois.
Adquirida como massa falida em 07 de fevereiro de 1916 passa a denominar-se São Paulo Northern Railroad Company, passando a ser (mal) administrada pelo francês Paul Deleuse, suspeito de ligações com banqueiros de Hamburgo, a partir de sua sede em Niteroi-RJ. Diante da falta de pagamen

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