BITOLA INTERNACIONAL

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AGV
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BITOLA INTERNACIONAL

Mensagem não lida por AGV » 05 Jun 2008, 14:14

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Quarta-feira, 2 de Maio de 2007
Bitola - Migração para bitola Europeia

A questão da bitola - distância entre carris - é um dos desafios mais importantes com que a ferrovia Portuguesa se depara nesta altura. O facto de termos uma bitola diferente da usada no resto da Europa continental até à Polónia e no Reino Unido causa dificuldades ao uso do transporte ferroviário no transporte, sobretudo, de mercadorias de/para destinos além-Pirinéus. Com efeito, para este se fazer, são necessárias operações de mudança dos bogies dos vagões na fronteira Franco-Espanhola, em Irun(E)/Hendaye(Fr) ou o uso de vagões com bogies telescópicos que, pelo seu preço, apenas em muito raros casos são usados no transporte de mercadorias. Também o transporte de passageiros se ressente, muito embora, neste, sejam usados os bogies referidos. Porém estes são mais dispendiosos do que bogies comuns daí a conveniência de os evitar.

Dado o aumento do tráfego de passageiros e mercadorias, o aumento das trocas comerciais entre Portugal e os países da Europa comunitária com o consequente aumento de camiões em circulação nas estradas, Portugal e Espanha têm programada uma alteração total na bitola das suas redes ferroviárias dos 1668mm em que as ferrovias ibéricas foram construídas para os 1435mm usados em toda a Europa continental, Estados Unidos e que são a medida aceite como bitola standard pela UIC - União Internacional dos Caminhos de Ferro.

Antes de mais urge responder a uma questão: porque são os caminhos de ferro ibéricos diferentes dos do resto da Europa? Esta questão tem origem nos primórdios da construção ferroviária em Espanha. Em 1854 decidiu a Coroa Espanhola que a bitola dos caminhos de ferro a construir em Espanha seria de 1668mm, devido a considerações técnicas e políticas. Em Portugal, quando se iniciou a construção dos caminhos de ferro, fizeram-se estes usando a bitola Europeia de 1435mm. Em 1860, e após vários desaires financeiros, é fundada a Companhia Real dos Caminhos de Ferro Portugueses por D. José de Salamanca, a quem foi concedida a exploração e construção dos caminhos de ferro de Lisboa ao Porto e à fronteira. Nesta altura havia apenas um troço com 68km, de Lisboa-Cais dos Soldados (onde é hoje Santa Apolónia) à ponte da Asseca, em exploração. A Companhia Real tomou como primeira providência a alteração da bitola desta linha para os 1668mm com que se vinham construindo os caminhos de ferro em Espanha e daí seguiu, construindo todo o resto da rede ferroviária em bitola larga. Há também linhas férreas em Portugal de 1000m mas não nos iremos deter sobre estas neste artigo dado não serem relevantes para a questão em apreço.

Os anos passaram e chegamos, então, a 2007 com 2603km de vias férreas de bitola larga que é necessário alterar. E já vamos tarde para iniciar esse processo. Muito tarde, sobretudo mercê de um erro crasso da REFER que, quando começou a modernização das linhas do Norte e da Beira Alta optou por faze-lo com travessas de bitola larga apenas, ao invés de usar travessas bi-bitola como o mínimo bom-senso exigiria. Este erro custa-nos entre 20 e 25 anos de atraso na questão da bitola ou, em alternativa, a renovação daquelas vias antes do fim da sua vida útil com o consequente desperdício financeiro. Esta opção está entre as que mais envergonha a REFER e sucessivos governos no que toca ao panorama ferroviário nacional pela irresponsabilidade de que se revestiu e pelas consequências que teve, tem e terá nos próximos anos. Finalmente, em 2006, a REFER rectificou esta sua posição e, doravante, todas as renovações serão feitas com o recurso a travessas bi-bitola. O primeiro exemplo de via renovada com o recurso a esta tecnologia é o troço de 26,2km que liga Casa Branca - Évora, e parte integrante do futuro eixo de mercadorias Sines - Elvas (Caia), reaberto ao tráfego em Setembro de 2006. Porém o grande mal está feito, a linha do Norte está renovada em via larga e, sendo a linha do Norte a espinha dorsal do sistema ferroviário Português, só quando esta chegar ao fim da sua vida útil e precisar de uma renovação integral se irá mudar para as travessas bi-bitola e iniciar a sério o uso de comboios de bitola internacional em Portugal. Até lá prosseguir-se-ão as renovações usando as travessas bi-bitola, alargando tanto quanto possivel o seu uso de norte a sul de Portugal continental.

A questão da bitola tem a ver com mais do que apenas a via férrea. Tem a ver também com o material circulante dado que este, sendo construído para circular em bitola larga, não poderá circular em vias de bitola internacional sem receber dispendiosas modificações, excepto se já vier preparado de fábrica para essa alteração, caso em que o custo das alterações necessárias é mais reduzido mas, ainda assim, não desprezivel. Trata-se, assim, de conjugar o fim da vida útil da infra-estrutura com o fim da vida útil do material, razão pela qual dividimos este artigo nas duas vertentes: infra-estruturas e material circulante. Pretende-se com este artigo dar a conhecer a problemática que rodeia esta questão bem assim como apresentar soluções para a sua resolução da forma mais económica possivel.


O Caso Espanhol

Espanha, tal como nós, tem toda a sua rede ferroviária em bitola ibérica, tirando, claro, várias linhas em bitola métrica (1000mm). Em Espanha a opção tem sido por construir intercambiadores de bitola nos pontos da rede onde a rede de Alta Velocidade - em bitola internacional - em construção se liga à rede existente e nas fronteiras ferroviárias com França. Desta forma os comboios de passageiros providos de bogies com eixos telescópicos usam as vias de Alta Velocidade até aos pontos onde intersectam com a rede convencional e daí seguem até aos seus destinos (vidé artigo Auto-Estradas Ferroviárias neste mesmo espaço). Esta solução é viavel apenas para os comboios de passageiros, claro, dado que os comboios de mercadorias usam apenas a rede convencional e, quando passam a fronteira para França, são-lhes mudados os bogies dos vagões em instalações próprias para o efeito, uma operação que ascende a várias horas por comboio.

Está neste momento em preparação pelo Ministerio de Fomento um plano para a mudança completa da bitola dos caminhos de ferro Espanhóis dos actuais 1668mm para os 1435mm, uma operação que se prevê ter um horizonte de concretização de cerca de 20 anos.

Dada a dimensão do território Espanhol e da sua rede ferroviária, com mais de 13000 km, esta opção foi a possivel e, a nosso ver, mais acertada para o caso Espanhol. Dada a dimensão do território Português, os fluxos de tráfego existentes e esperados, a nossa geografia e várias outras caracteristicas, não seria aplicavel a Portugal por via dos custos previsiveis.


Iniciemos então a explanação das nossas visões sobre a forma como se poderá fazer a migração da bitola larga para a bitola europeia em Portugal, tanto ao nível da infra-estrutura como do material circulante.


Infra-estrutura

Para alterar a bitola dos caminhos de ferro Portugueses é fulcral que a linha Lisboa-Porto exista prevendo já esta bitola. Muito embora a linha Lisboa-Porto para comboios de Alta Velocidade venha a ser feita recorrendo às travessas bi-bitola a questão é mais complexa do que isso dado que, para uma efectiva mudança é necessário que a actual linha do Norte seja integralmente provida da via para a circulação dos comboios em bitola de 1435mm. O grande problema aqui é que a linha do Norte tem vindo a ser alvo de uma modernização integral em bitola larga apenas o que nos atira automaticamente para cerca de 2020, altura em que a actual infra-estrutura será alvo de renovação como altura para podermos operar a mudança integral de bitola. Idêntica situação acontece na linha da Beira Alta, a nossa porta de entrada primordial para Espanha que deverá começar a ser renovada a partir de 2015-2017, prevendo-se que esteja totalmente renovada e preparada para a bitola internacional algures em 2020. O que fazer então?

A questão não é excepcionalmente complicada se vista conceptualmente. Por agora há que ir renovando todos os troços com travessas bi-bitola por forma a que, quando necessário, possa instalar-se o terceiro carril e as vias suportem os comboios de 1435mm logo que necessário e sem mais demoras. A renovação das vias recorrendo a este método leva a um acréscimo de cerca de €250000 por quilómetro que representam 2% de uma via preparada para altas prestações ou cerca de 5% do custo de uma via convencional. Quando, daqui a cerca de 12-15 anos a linha do Norte começar a ser renovada, sê-lo-á, claro, com as duas bitolas instaladas de origem, ou seja, 1668mm e 1435mm e aí poder-se-á, então, começar a instalar o terceiro carril no resto da rede. É esta a única forma de proceder à migração de bitola sem incorrer em custos excessivos e desperdícios ao nível da infra-estrutura já existente.

Durante alguns anos irão coexistir as duas bitolas, sendo aqui o factor limitante o material circulante, ou seja, ir-se-ão manter as duas bitolas até que o material circulante existente atinja o fim da sua vida.

Daqui a 30-40 anos, aí sim, teremos a totalidade da rede ferroviária nacional de via larga convertida para bitola europeia e já não haverá comboios de bitola ibérica a circular, excepto, talvez, eventuais comboios turisticos em troços que poderão ser mantidos com as duas bitolas para este fim, no fim de um processo que terá durado outro tanto tempo desde o seu início até à sua total conclusão.

Uma excepção ao preconizado acima. Nós prevemos a construção de uma via que, saíndo da linha de Alta Velocidade Lisboa-Madrid nas proximidades de Évora vá ligar à actual linha nesta cidade, bem assim como a construção de uma variante com cerca de 18km à linha Évora - Casa Branca a permitir a ligação directa à linha do Alentejo nas proximidades de Viana do Alentejo. O troço que liga a linha de Alta Velocidade a Évora bem como a variante que liga à linha do Alentejo podem ser construídas de raiz em bitola europeia, transformando-se assim na primeira via Portuguesa a ser percorrida por comboios de bitola internacional. As vantagens desta opção serão explanadas em pormenor num próximo artigo referente à linha de Alta-Velocidade Lisboa-Elvas-Madrid e à linha convencional para tráfego de mercadorias Sines-Elvas(Caia).


Material Circulante

A questão do material circulante reveste-se de uma maior complexidade do que a da infra-estrutura. Actualmente todo o material dos operadores ferroviários CP e Fertagus está preparado apenas para a circulação em vias de bitola larga. As locomotivas 4700, locomotivas de mercadorias que a CP irá receber a partir de 2008 virão com bogies de bitola larga preparados para serem transformados para a bitola standard quando necessário. No que toca ao resto do material, há que esperar que atinja o fim da sua vida útil e, aliás, prolonga-la o tempo necessário até haver condições para a circulação de comboios de bitola europeia.

Começando pelo material motor, esta opção não traz grandes problemas dado que é possivel esticar a vida das locomotivas diesel e electricas actualmente em circulação (excepção feita às locomotivas 2500 e 2550 que contam já com mais de 50 anos as mais antigas) que terão que ir sendo tiradas da frota a breve trecho, operação prevista ocorrer com a chegada das locomotivas 4700. Claro que esta opção exigirá renovações extensas de algumas séries de locomotivas por forma a permitir mante-las aptas a circular até haver troços extensos da rede ferroviária com capacidade para a circulação de locomotivas de bitola 1435mm.

Em relação às automotoras, o parque electrico, a muito custo nalguns casos, terá que ser esticado o melhor possivel para durar o tempo necessário. A vantagem aqui será que, quando as vias estiverem preparadas para a circulação de comboios de bitola europeia todo este material terá ultrapassado a sua vida útil e precisará urgentemente de substituição. Este factor poderá converter-se numa grande vantagem dado que ao ser necessário substituir um grande número de automotoras os operadores ferroviários de então (CP, previsivelmente, e eventuais outros) poderão encomendar uma grande quantidade de material circulante destinada a substituir todo o material automotor electrico com as necessárias adaptações para serviços suburbanos e para serviços regionais.

Por volta de 2025 os comboios pendulares estarão, também, no fim da sua vida útil, tendo que ser substituídos. Os novos comboios a comprar para substituir os pendulares serão, também, comboios de bitola europeia. Aqui põe-se a questão da necessidade da compra de comboios para a futura ligação Porto-Braga-Vigo para iniciar serviço em 2011-2012. É inevitavel que estes comboios venham providos de bogies telescópicos com possibilidade de mudança de bitola em intercambiadores a construir quando necessário em Porto-Campanhã, Braga e Valença.

No que toca aos comboios de Alta-Velocidade para as ligações Lisboa-Madrid estes serão de origem, claro, em bitola europeia dado que a linha de AV Lisboa - Elvas - Madrid será exclusivamente nesta bitola.

Temos agora a questão das automotoras diesel, o maior problema no que toca ao material circulante. As automotoras existentes precisam urgentemente de substituição. É material que não tem capacidade para aguentar muito mais tempo e que apresenta já inúmeras deficiências e avarias tornando-o incapaz para a operação de comboios. A tutela tem em estudo a autorização a dar brevemente à CP para a compra de 30 automotoras diesel para substituir as séries 0350 (de 1954 e remodeladas em 2000/2001) e 0450 (de 1962 e remodeladas em 1999/2000) que totalizam 38 automotoras. As 25 automotoras das séries 600 e 650 irão ser alvo de uma remodelação em breve que lhes permitirá prolongar a vida útil durante mais cerca de 20-25 anos. As automotoras a comprar sê-lo-ão, claro, em bitola ibérica mas preparadas para a alteração para bitola europeia logo que necessário. É um dispêndio inevitavel.

Terminamos com os vagões de mercadorias, sendo estes o problema mais fácil de resolver dado serem, em caminhos de ferro, o material menos custoso de comprar. Até 2020-2025 usar-se-á o que existe e eventuais adições à frota deverão vir preparadas para a mudança de eixos para o seu uso em vias de bitola europeia. Nessa altura poder-se-á pensar na compra de grandes quantidades de vagões de mercadorias para os diversos tráfegos. Dado o valor de aquisição dos vagões de mercadorias e a sua reduzida complexidade técnica este material circulante não envolve dificuldades relevantes.

Finalizando a questão do material circulante queremos focar que a este nível, a migração da bitola reveste-se de poupanças a médio e longo prazo dado que futuro material comprado em bitola europeia será sempre mais económico do que actualmente dado que os operadores ferroviários poderão comprar material ferroviário standard, igual ao produzido para outras redes ferroviárias europeias em grandes quantidades sem necessidade das adaptações ao caso ibérico específico e os inerentes custos de engenharia, desenvolvimento e produção associados com a produção de soluções específicas em quantidades pequenas.


Julgamos haver apresentado ao longo deste artigo as nossas visões sobre a problemática da bitola e as formas de a alterar de uma forma que peca por demorada, é certo, mas é que permite proceder a esta operação com os menores custos. É nosso entender e pelo que vimos estudando sobre o tema há vários anos que os benefícios associados a uma mudança mais rápida, nomeadamente ao nível da inutilização de infra-estruturas e material circulante, não é compensado com os ganhos obtidos, nomeadamente ao nível do transporte de mercadorias para destinos além-Pirinéus.

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