MAIS HISTÓRIA E MUITAS CURIOSIDADES

História, estórias e debates diversos sobre nossa memória ferroviária.

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MAIS HISTÓRIA E MUITAS CURIOSIDADES

Mensagem não lida por cataclism2 » 06 Jun 2008, 08:55

Tópico original por ATHOS
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Outro site que está de parabéns é o http://www.novomilenio.inf.br/santos/h0102o3.htm

Com mais uma cobertura da Mairinque-Santos
Imagem

E neste site, acessem as outras seções, das estradas em geral: http://www.novomilenio.inf.br/santos/h0102.htm que tem muito mais informações históricas sobre a região da RMBS, tem até "lendas", hehehe.

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Mensagem não lida por cataclism2 » 06 Jun 2008, 08:55

stormkamared escreveu:A estação, o relógio, o trem da 6h10 e Laurinha


[img]http://www.tribunaimpressa.com.br/image ... eudo/Image%[/img]


Inácio de Loyola Brandão

A estação está ligada a minha infância, a minha juventude, a minha literatura, a minha família. Quando chegavam as férias, julho ou dezembro, íamos para Vera Cruz, onde parentes tinham uma fazenda. Nós éramos pobres e eles ricos. Saíamos no trem das 6h10. Pontualmente. A Companhia Paulista, CP, era um relógio. Nessa madrugada, apanhávamos um táxi, na verdade, um carro de aluguel do ponto da Matriz. Chegávamos às 5h30, porque minha mãe era ansiosa. Herdei dela essa ansiedade para com trens, ônibus e aviões. Chego horas antes. A plataforma estava lotada e o maior encanto era ver o trem entrar batendo o sino. Aquelas locomotivas elétricas, modernas, pareciam de filme americano. Nesse momento, os homens se posicionavam, enquanto as mães ficavam com as crianças. Os homens saltavam para os vagões com o trem ainda andando – lento, claro – e corriam guardar lugares. Depois, chamavam as mulheres e havia o passa-mal pela janela. Para mim, uma aventura. Meu pai era um herói, porque nunca viajamos em pé. Tínhamos uma vantagem como viajantes. A família trabalhava toda na EFA, a Estrada de Ferro Araraquara, e, portanto tinha desconto de 75% na Paulista.
Àquela hora da manhã, em julho, ainda era escuro e outra emoção vinha quando o trem dava dois apitos, respondendo aos apitos do chefe e partia, fazendo a curva – que ainda existe hoje – para a esquerda, tomando o rumo de São Carlos e Itirapina. A cidade ia ficando para trás, até desaparecer. Mais tarde, a estação tinha um momento especial, quase sensual. Quando o trem do início da noite chegava de São Paulo. O azul partia às 15 horas da estação da Luz e chegava cinco horas depois. Lembro-me que eram 306 quilômetros de trilhos. Hoje são 278 de rodovias. Nas vésperas de carnaval, ano novo, semana santa, feriados, o trem chegava lotado e esvaziava em Araraquara. Descia aquela multidão e o melhor da multidão eram as mulheres bonitas, lindas jovens amigas de gente de Araraquara que vinha para os bailes ou fazenda ou casas curtir o feriado. As mulheres de São Paulo eram diferentes, vestiam-se melhor, mais ousadamente, maquiavam-se, davam a sensação de liberadas, atrevidas. Ou eram coisas que estavam em nossas cabeças.
Havia quem vinha de carro buscar amigos e parentes, outros tomavam táxis, outros saíam a pé, tudo era perto. Nunca vou esquecer essas chegadas do trem azul, com a plataforma agitada, perfumada, todos excitados, os gritos, os encontros, as conversas.
Não sei de onde veio o relógio da estação que sempre achei incrivelmente bonito. Seria inglês? Existe um igualzinho na estaçãozinha onde desembarcavam os imigrantes no hoje Memorial do Imigrante, no Brás em São Paulo. Está lá e funciona perfeitamente. Encontrei relógios absolutamente idênticos em algumas viagens e o que acontecia? A memória afetiva funcionava. Eu estava no trem, na Alemanha, olhava a plataforma, via o relógio e Araraquara vinha à minha mente. Ou na Suiça, no interior da França, na Nova Inglaterra, Estados Unidos. Araraquara me acompanhava por meio do relógio da estação.
Nunca me esqueço também, de um colega de escola, acho que foi o Silvio Augusto de Barros que era um exímio ciclista e tinha uma belissima bicicleta. Como eu invejava a bicicleta dele! Uma tarde, daquelas longas tardes araraquarenses de inverno, silenciosas e desertas (que não existem mais) o Silvio aceitou um desafio da turma: descer de bicicleta a escadaria em frente a estação. Duvidamos e fizemos pouco. Por que? Silvio não só desceu, como subiu. E nós que esperávamos que ele fosse ao chão, ficamos com a cara no chão. Também não posso esquecer que um dos amores de minha vida (mas acho que ela nunca soube, era uma admiração silenciosa da parte de um tímido) a Laurinha, morava no hotel São Bento, em frente a estação. Morena e linda. O hotel também está em Dentes Ao Sol, o romance.
Para a minha geração – saí da cidade em 1957 – a estação e o trem significavam o rumo da vida. Dali partíamos para São Paulo, onde estava a carreira. Os trens pareciam ter um letreiro estampado: VIDA-FUTURO-SONHO.
Nos anos 60, os ônibus começaram gradualmente a substituir os trens, mas sem charme, fascínio. Aos vinte anos, entrávamos no trem e íamos direto para o restaurante tomar café da manhã – era chique – ou cervejas, se fosse mais tarde. Na hora do almoço, os trens da CP tinham uma especialidade, o Filé a Arcesp, bife acebolado, com tomates e vegetais. Alguém se lembra da receita?
Quem tinha dinheiro ia de Pullman. Certa manhã, tinha acabado de lançar meu primeiro livro, embarquei no Pullman (era caro) ao lado de dona Olga Ferreira Campos e do Lysanias. Olga era o supra-sumo em matéria de professora de português. Rigorosa e exigente deu aulas até para Celso Lafer, que foi Ministro das Relações Exteriores de FHC e teve parentes na cidade. Curioso, orgulhoso, presunçoso, perguntei a dona Olga se ela tinha gostado de Depois do Sol, meu livro de contos. E ela: “Você tem histórias interessantes para contar, personagens diferentes, ambientes que valem a pena conhecer. Mas podia cometer menos erros de português”. Lysanias sorriu e bateu em meus ombros, para me consolar. Aprendi muito com dona Olga, grande figura, a cidade deve homenagem a ela. A estação está em meu romance Dentes Ao Sol, de 1976, um de meus favoritos. O personagem principal ronda por ela, sabe que o trem o livrará do sufoco da cidade, mas ele tem medo e nunca parte. Ele imagina terroristas na estação, crimes, mistérios. Estava tudo na cabeça dele.
O bar da estação, comandado pelo velho Miari tinha um café péssimo, mas ficava aberto à noite, quando todos os outros tinham fechado. Ali tomávamos as saideiras, em meados dos anos 50. As irmãs Miari eram famosas, a Dora e a Clélia. A Dora fez carreira teatral por algum tempo em São Paulo e morreu prematuramente. A Clélia participou do início do Teatro Oficina e hoje é a mesma mulher com olhar doce, a voz terna. Os trens da Araraquarense paravam bem diante do bar e por anos, ainda criança, eu tinha pavor de entrar ali, com medo do trem chegar, não brecar e destruir tudo.
Uma das últimas vezes que estive na estação foi com meu pai que queria ver o Museu Ferroviário. Aos 88 anos de idade estava andando com dificuldade, tivemos de ajudá-lo a subir a escada. Ali onde tinha sido o telégrafo, comandado pelo Trifonio Guimarães, estava o museu. Meu pai olhou tudo com emoção, lembrou-se de acessórios e instrumentos. Depois descemos e fomos até a Maria Fumaça que resfolegava, mas ele não quis andar. A estrada tinha sido seu passado, sua carreira, sua vida e ele foi um vitorioso dentro dela. De simples escriturário cresceu até se tornar o chefe do escritório central. Um de meus orgulhos era ver afixados nas estações os comunicados de meu pai, obedecidos. O regime era bravo!

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