Trens têm os dias contados em Mogi
O subúrbio, meio de transporte sobre trilhos que de tão enraizado ao cotidiano do cidadão tornou-se uma espécie de patrimônio imaterial de Mogi, está ameaçado. Plano do Governo do Estado pretende tirar os trens da Cidade, fazendo-os chegar apenas até Suzano. Será o fim de uma história que em 2009 completará 96 anos. A primeira linha desta modalidade ligando São Paulo ao Município foi inaugurada em setembro de 1913, segundo Ralph Mennucci Giesbrecht, um dos maiores especialistas em patrimônio ferroviário do Brasil.
"O trem de subúrbio São Paulo-Mogi foi iniciado em setembro de 1913 com um trem somente diário. Depois foi se expandindo o número. Veja que estações como Braz Cubas e Jundiapeba (Santo Ângelo), por exemplo, foram abertas em 1914, o que não é coincidência", explica Giesbrecht, sócio do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo e da Associação Brasileira de Preservação Ferroviária. "Até 1910, pelo menos, ele não existia. Quem ia para Mogi tinha de tomar o trem normal para o Rio de Janeiro e quem voltava para São Paulo também."
Nos primeiros tempos do subúrbio, relembra o especialista, o subúrbio entre a Capital e Mogi era operado pela estatal Estrada de Ferro Central do Brasil. "Era um trem que saía da Estação do Norte (Roosevelt) e ia até a Penha, entrando por um ramal na estação de Guaiaúna (depois Carlos de Campos), ramal este que hoje não existe mais." Hoje, decorrido quase um século, o sistema é operado pela Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM). A linha, que liga as estações Guaianazes e Estudantes, tem 26,8 quilômetros de extensão. Nos horários de pico, as composições circulam em intervalos de nove minutos.
Em 1975, ainda de acordo com informações de Giesbrecht, a Estrada de Ferro Central do Brasil e várias ferrovias brasileiras foram reunidas na Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima. Em 1987, a Companhia Brasileira de Trens Urbanos foi criada pela RFFSA para operar os subúrbios, incluindo nisto as linhas Santos-Jundiaí e São Paulo-Estudantes. Em 1994, com a criação da CPTM, a estatal paulista absorveu do governo federal as linhas da CBTU, que desapareceu.
Segundo planos divulgados pelo Governo do Estado, o trecho do subúrbio compreendido entre Suzano e Mogi, será extinto. Quatro estações perderão o direito de contar com o trem: Jundiapeba, Braz Cubas, Centro e Estudantes. A ideia é implantar o Expresso Leste, com trens mais modernos e confortáveis, apenas até Suzano. O restante do trajeto será feito, após uma inconveniente baldeação, por uns tais de veículos leves sobre trilho, alcunhados VLT, uma espécie de ônibus que circula sobre linhas férreas e para nos semáforos. O usuário do sistema está indignado com a proposta, considerada mais lenta e menos confortável.
Logo depois de anunciado, o plano de acabar com o subúrbio em Mogi causou inúmeras reações negativas na sociedade. Vereadores, lideranças de bairro e líderes sindicais têm se manifestado contra a medida, que vai na contramão do que é praticado nas principais metrópoles do mundo, em que o transporte por trens é a principal aposta para o deslocamento em massa da população. Ao que parece, no entanto, a decisão do Estado já está tomada e deve ser implantada.
A proposta do governador José Serra (PSDB) de diminuir a linha do subúrbio dá continuidade ao processo de desmonte do sistema ferroviário no Brasil. Para se ter uma ideia, ao encabeçar a revolução de 1930, Getulio Dornelles Vargas (1883-1954) tomou um trem para ir de seu Estado natal, Rio Grande do Sul, ao Rio de Janeiro, onde tomou posse como presidente. Em seus diários, o político gaúcho registrou a viagem e a manifestação popular favorável ao fim da Política do café-com-leite.
"Partimos, destino ao Rio, eram mais de 9 horas. Todo o caminho, todas as estações, por mais insignificantes, tínhamos de atender ao povo entusiástico, vibrante. No geral, povo de trabalhadores rurais, operários, etc. Flores, discursos, foguetes. Assim fomos até Mogi das Cruzes. [...] Toda a comitiva admirava-se da vibração do espontâneo entusiasmo do povo paulista", anotou Vargas em seus diários no dia 30 de outubro de 1930. Se a proposta de Serra vingar, mais uma parte da história ferroviária brasileira estará enterrada.