Operadoras terão novas metas de desempenho
11/02/2009 - Valor Econômico
O diretor-geral da ANTT, Bernardo Figueiredo, defende nova regulamentação do setor ferroviário
As concessionárias de ferrovias estão explorando apenas 38% da malha cedida pelo governo. Do total de 28,8 mil quilômetros administrados pela iniciativa privada, quase 18 mil quilômetros de trilhos não veem a passagem de uma única composição por dia. Insatisfeitos com estes números e com o custo do frete, o governo e a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) trabalham em um conjunto de medidas que promoverá a maior reforma regulatória no setor desde a privatização da Rede Ferroviária Federal (RFFSA), em 1996.
Além da obrigatoriedade de compartilhar suas malhas com os demais operadores, as concessionárias terão novas metas de desempenho - que é medido em toneladas transportadas por quilômetro útil (TKU), unidade de referência no setor. Nos contratos de concessão, foram estabelecidas metas de aumento de produção. As empresas investiram mais de R$ 20 bilhões na modernização das malhas, em 13 anos.
O problema, na avaliação oficial, é que tudo isso ficou excessivamente concentrado. Existem trechos concedidos onde há anos não passa um único trem, constata o diretor-geral da ANTT, Bernardo Figueiredo, principal responsável por desenhar a nova regulamentação. Primeira medida: as metas, hoje estabelecidas para o conjunto da malha operada pela concessionária, serão fixadas para cada um dos corredores ferroviários dentro de uma mesma concessão. As metas valem para a malha como um todo e desconsideram se a concessionária concentra todos os seus esforços em apenas alguns trechos, assinala.
A percepção da ANTT e do Ministério dos Transportes é que as concessionárias privilegiam regiões de maior demanda e deixam semi-abandonados 62% de seus trilhos, inviabilizando pequenos e médios usuários de escoar sua produção pelas ferrovias. Com as novas metas, todos os trechos deverão ser ativados, ainda que não ofereçam a mesma rentabilidade dos mercados mais nobres da área de concessão. Figueiredo garante que a agência não vai rasgar contratos. Os documentos já permitem a fixação de metas específicas, segundo ele, mas a ausência delas foi a opção feita até agora.
Se as empresas não aceitarem as novas metas - por avaliar que o investimento necessário é inviável - ou não conseguirem cumpri-las, a concessão deverá ser retomada. O que não pode continuar é uma situação em que a concessionária senta em cima e não gera nenhum benefício para a sociedade, afirma Figueiredo.
Ele já teve sinal verde da Casa Civil e do Ministério dos Transportes para seguir adiante nesses planos. Pretendemos forçar uma capilaridade maior das ferrovias, endossa o secretário-executivo do ministério, Paulo Sérgio de Oliveira Passos. A ministra Dilma Rousseff já havia afirmado ao Valor que a falta de exploração poderá levar à perda das concessões. A partir de agora, quem tiver uma concessão do governo em qualquer área, e não explorar, vai perdê-la, disse Dilma.
O diretor da ANTT explica que a aplicação da medida será precedida de estudos. Vamos saber rapidamente o que acontece com cada trecho - alguns talvez não tenham viabilidade para carga, mas podem virar trens turísticos ou de transporte regional de passageiros, continua Figueiredo, descartando que essas ligações ferroviárias fiquem sem uso ou mal exploradas no futuro.
As concessionárias também serão obrigadas a compartilhar suas malhas. No jargão do setor, é o que se costuma chamar de direito de passagem. Ou seja, a MRS, que opera essencialmente na chegada aos portos de Santos (SP) e Itaguaí (RJ), poderá recolher ou entregar diretamente cargas na Norte-Sul, administrada pela Vale. Basta, para isso, que elas paguem tarifas entre si. Vamos permitir que as malhas sejam permeáveis às diversas concessionárias. Nada vai impedir que a MRS entregue cargas em Palmas ou que a Transnordestina recolha veículos da Fiat em Betim.
Não deixa de ser algo comparável ao que existe no setor elétrico. No mercado livre, grandes indústrias podem tornar-se clientes de fornecedores de energia que estão fora da área de concessão da distribuidora local. Para isso, precisam somente pagar pelo uso da rede de distribuição.
O direito de passagem já consta dos contratos de concessão, mas é uma prática pouco disseminada atualmente. A restrição está no fato de que esse sistema só pode ser adotado, conforme dizem os contratos, quando houver impossibilidade de tráfego mútuo entre as concessionárias.
Por esse sistema, hoje mais comum, a operadora da ferrovia pode levar a carga de seus clientes até a divisa da concessão. A partir dali, tem que entregar todo o material contratado para ser transportado por outra concessionária. Raramente há impossibilidade logística de trocar a carga, mas a ANTT promete baixar uma resolução esclarecendo que a impossibilidade pode ser também comercial, abrindo espaço para o compartilhamento das malhas e o aumento da concorrência pelas grandes cargas.
O Ministério dos Transportes concorda com a medida. Tem como referência o sistema ferroviário europeu. Na maior parte dos países do continente, a malha é gerida e operada por uma única empresa, privada ou pública, e os diversos operadores ferroviários podem entrar livremente em toda a malha, desde que paguem tarifas e os trilhos estejam livres.
Figueiredo adianta também que exercerá uma regulação mais forte nas tarifas-teto que as concessionárias podem cobrar dos usuários. Para ele, os preços estão distorcidos porque a privatização da RFFSA foi feita com as tarifas em bases muito elevadas.
Para corrigir esse problema, a ANTT fará um levantamento dos custos ferroviários e apontará novos limites às tarifas. Tanto esta como as outras medidas virão por meio de resoluções do próprio órgão regulador, dispensando projetos de lei e decretos presidenciais. Figueiredo diz que elas serão detalhadas em 2009 para implementação em 2010. Queremos criar um ambiente competitivo nas ferrovias. É isso que vai provocar tarifas mais baratas para o usuário.
Para concessionárias, há 4 mil km sem viabilidade comercial
O diretor-executivo da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF), Rodrigo Vilaça, afirma que há pelo menos 4 mil quilômetros de trilhos cedidos ao setor privado que não têm viabilidade comercial. Vilaça, cuja associação representa as concessionárias de ferrovias, faz referência principalmente a malhas na Bahia e no norte de Minas Gerais. Ele critica a ideia de se fixar metas contratuais por corredores ferroviários e aponta riscos no compartilhamento de redes.
Para o executivo, muita coisa mudou desde a privatização da RFFSA e é natural fazer ajustes, mas ele cobra as iniciativas que são de responsabilidade do governo. As concessionárias, segundo Vilaça, repassaram aos cofres públicos mais de R$ 9 bilhões em impostos, tributos e arrendamento desde 1996. E não recebemos nada de volta, queixa-se ele, lembrando a existência de 12,5 mil passagens de nível (cruzamentos indevidos entre trilhos e avenidas ou rodovias em áreas urbanas) e 434 invasões críticas de faixa de domínio existentes no país.
Esses problemas fazem com que os trens tenham de reduzir sua velocidade para cerca de 5 quilômetros por hora, diminuindo a competitividade e, às vezes, tornando a exploração comercial inviável, de acordo com o diretor da ANTF.
Pela divisão de competências estabelecida pelo marco regulatório atual, resolver esses gargalos é uma atribuição que cabe do poder concedente. Vilaça deixa claro a contrariedade das concessionárias quanto à introdução de metas de produção por cada corredor ferroviário. A lógica da operação não é por corredor, pois as concessões foram adquiridas como um todo, assinala.
Para ele, o governo deve preocupar-se com a interiorização da malha para os novos polos agrícolas, em vez de cogitar a retomada de trechos inexplorados das malhas concedidas.
O executivo afirma duvidar do interesse de operadores em usar comercialmente essas redes e aponta os projetos de trens turísticos e de transporte regional de passageiros - pouquíssimos saíram do papel - para ilustrar a dificuldade em tornar viável a operação desses trechos.
Dos 18% de participação que tinham na matriz de transportes em 1996, quando o processo de concessão foi deslanchado, as ferrovias tomaram espaço das rodovias e elevaram sua fatia para mais de 26%.
Estudos indicam que sua participação na malha de transportes do país alcançará 32% do total em 2015. Somos poucos, mas somos eficientes, defende Vilaça. Ele lembra que as concessionárias precisam tomar cuidado com os preços cobrados porque as empresas são sociedades anônimas ou têm controladores de capital aberto, com compromisso de resultados para os acionistas. Mas diz que, se fizer um levantamento de custos ferroviários, a ANTT não encontrará surpresa nenhuma.
O executivo afirma que o que se leva a conhecimento geral é que nós somos vilões do processo e os usuários são prejudicados, visão que, para ele não é verdadeira. Não é bem assim, rebate.
Vilaça teme ainda que a prioridade ao direito de passagem, com o maior compartilhamento de malhas, desestimule o investimento. Uma concessionária pode sentir-se pouco incentivada a ampliar sua rede, com pátios e outras instalações, se os benefícios forem usufruídos por todos os demais operadores. Para ele, a agência reguladora não deve tratar as ferrovias com mentalidade rodoviária.
Diretor-geral da ANTT é homem de confiança de Dilma
O economista Bernardo Figueiredo, que assumiu o comando da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) em julho de 2008, ganhou rapidamente a confiança da ministra Dilma Rousseff e transformou-se em uma das autoridades mais influentes do setor. Ele foi assessor especial da Casa Civil e gerenciou a polêmica revisão do modelo de concessões rodoviárias. No início de 2007, o leilão de sete trechos de rodovias federais foi subitamente adiado, despertando uma onda de especulações. Com uma mudança das regras, os sete trechos acabaram sendo licitados e tiveram deságio médio de 45%.
Dilma costuma ouvi-lo com atenção. Há algumas semanas, Figueiredo mostrou a ela uma série de slides em que apontava a proporção inexplorada - sem pelo menos um trem por dia - da malha ferroviária. A ministra incorporou todas as observações no balanço do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
A experiência de Figueiredo no setor ajuda a contar um pouco da história das ferrovias no país. Ele começou a carreira no Geipot, a estatal de planejamento de transportes, extinta no governo Fernando Collor. Passou pela Siderbrás e pela RFFSA, duas gigantes do setor público, e foi para o outro lado do balcão no fim da década de 1990, como número 2 da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF), que reúne os concessionários privados de ferrovias.
Próximo de caciques petistas do Distrito Federal, como o ex-deputado Sigmaringa Seixas, Figueiredo teve seu primeiro cargo no governo Lula como diretor administrativo e financeiro da Valec. Concebeu a retomada dos investimentos na Ferrovia Norte-Sul. Dessa época, guarda algumas dores de cabeça com o Tribunal de Contas da União (TCU), que atrasaram sua aprovação para o comando da ANTT, pelo Senado. O TCU questionou um convênio feito pela Valec com o governo do Maranhão para construir um ramal da Norte-Sul, mas sem prejuízo ao erário - como Figueiredo faz questão de frisar.
O economista terá pela frente, além da mudança de regras nas ferrovias, o desafio de conceder ao setor privado mais cinco trechos de rodovias federais neste ano. Entre eles, a BR-040 (Brasília-Juiz de Fora) e a BR-101 (de Salvador até a divisa do Espírito Santo com o Rio de Janeiro). Precisará enfrentar ainda o forte lobby das empresas de ônibus interestaduais, que operam no regime de permissão, contra os planos do governo de realizar uma licitação para todas as linhas até dezembro de 2009.
Figueiredo deverá ainda lidar com as comparações com seu antecessor, José Alexandre Rezende, que foi nomeado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e liderou a ANTT até o início do ano passado. Ex-presidente da RFFSA e ex-diretor da Eletrobrás, Rezende viu a divisão da diretoria da agência, nos últimos anos, entre partidos da base aliada - PT, PMDB, PR e PP. Algumas nomeações foram políticas. É o caso do deputado José Airton Cirilo (PT), candidato derrotado ao governo do Ceará em 2002, que ganhou uma diretoria da ANTT.
Cirilo foi acusado de envolvimento com a máfia dos sanguessugas. Outra indicação política partiu do ex-senador Valmir Amaral, então no PP-DF, dono de algumas das maiores empresas de ônibus interestaduais do Centro-Oeste. Ele emplacou na agência o diretor Gregório Bezerra, que assumia ser afilhado político de Amaral e era responsável pela área de fiscalização de linhas interestaduais.
Fonte: http://www.revistaferroviaria.com.br/in ... 9&pagina=3