Estações da Mogiana estão abandonadas
01/03/2009 - Folha de SP
Estação abandonada de Indaiá, em Pedregulho, um dos trechos da Linha do Rio Grande da Companhia Mogiana
Símbolo do glamour que marcou as primeiras décadas do século passado na região, do desenvolvimento e até do surgimento de cidades, a Linha do Rio Grande da Companhia Mogiana de Estradas de Ferro, que ligava Ribeirão Preto a Minas Gerais, passando por Franca, hoje é composta apenas por fragmentos de uma história abandonada pelo tempo.
Muitas vezes escondidas pelo mato, as 19 estações que serviam principalmente para o transporte do ouro verde, como era chamado o café, hoje estão abandonadas, depredadas e há até uma estação submersa. Os trilhos já não existem há 20 anos na maior parte do trecho. A linha que interligava as duas maiores cidades da região propiciou o crescimento de uma área que hoje soma 1,04 milhão de habitantes.
Mas, do total de estações da época da política do café-com-leite (até 1930), sete estão abandonadas, duas foram fechadas, uma foi demolida, outra está submersa, duas viraram bar, uma é rodoviária, outra virou moradia e quatro se transformaram em museu, casas de cultura ou biblioteca.
Para especialistas, o sucateamento do patrimônio mostra descaso com a história e a preservação ferroviária.
Falta preservação, como na maioria delas. Não sei o motivo de [a estação de] Franca ficar largada. Não está abandonada, mas está malcuidada, afirmou o pesquisador de história ferroviária Ralph Mennucci Giesbrecht, autor de dois livros sobre o tema. A Prefeitura de Franca, responsável pela administração do imóvel, que é tombado, nega o descaso.
A falta de preservação pode ser observada logo na estação Entroncamento, em Jardinópolis, a primeira do trajeto de 172,9 quilômetros percorridos pela Folha até a estação Jaguara, em Sacramento (MG).
Abandonada e com mato alto dominando o cenário, a estação é alvo de vândalos, segundo moradores. A gente briga para não levarem pedras e tijolos. Quando ouvimos barulho de caminhões parando, corremos para impedir que levem o material, afirmou Marli Cândida da Silva, dona de um bar em frente à estação.
A Entroncamento tinha uma ponte metálica sobre o rio Pardo, hoje abandonada e que era usada por ladrões para assaltar propriedades nas redondezas até que um rancheiro colocou uma placa metálica na ponte, bloqueando a passagem. É uma estação em estado de miséria, disse Giesbrecht.
Para o diretor da ABPF (Associação Brasileira de Preservação Ferroviária) Vanderlei Alves da Silva, a situação de abandono é consequência do descaso dos órgãos públicos e da sociedade.
Antigamente, eu falava que a culpa era dos governantes, mas a própria sociedade passa por cima disso. As pessoas assistem a tudo ser destruído, depredado e, muitas vezes, roubado. Uma minoria, normalmente as pessoas mais velhas, é que tem noção do valor histórico desses patrimônios, disse.
Memória
A Companhia Mogiana de Estradas de Ferro marcou a interiorização das ferrovias em SP. Em 21 de março de 1872 a lei provincial nº 18 cedeu à empresa a concessão do trecho de Campinas a Mogi Mirim.
Antes disso, o setor cafeeiro começou a fazer lobby para ampliar o alcance da ferrovia pelo interior paulista, o que é perceptível ao se analisar o tortuoso traçado da Mogiana, que ia onde o café estava.
O primeiro ramal ferroviário teve como destino Mogi Mirim porque a cidade integrava uma forte região produtora.
Represa inundou os trilhos da Mogiana em Jaguara
Ao abrir diariamente a janela de sua sala, a dona-de-casa Maria Marinalva Pereira dos Santos, 47, vê o que um dia já foi sinônimo de prosperidade econômica, mas que hoje se resume a uma construção sucateada e ameaçada pelo descaso.
Última moradora da vila ferroviária da estação Jaguara, em Sacramento (MG), Maria, que mora com a filha, o neto e um enteado, tem como visão ainda a represa de Jaguara, que surgiu de uma inundação na década de 70 que deixou submersa a antiga cidade de Rifaina e os trilhos da Mogiana.
Desde então, o movimento na estação passou a cair, pois ela deixou de fazer parte da já decadente Mogiana e virou uma linha do trecho Uberaba-Jaguara -os trilhos, até então sobre o rio Grande, ficaram submersos.
Tenho dó de ver tudo isso jogado desse jeito, sem perspectiva de futuro. Tudo isso poderia ser recuperado, até mesmo para servir como moradia.
Além da estação e da vila ferroviária -que abriga seis moradias conjugadas-, outras duas construções foram erguidas em Jaguara.
Logo na Entroncamento, o mato alto toma conta da vista e, a cem metros, na antiga ponte do rio Pardo, vândalos destruíram e roubaram várias partes da ponte. É lamentável que chegue a essa situação, afirmou Marli Cândida da Silva, vizinha da estação e proprietária de um bar.
Já na bucólica Visconde de Parnaíba, em Jardinópolis, a placa que indicava o destino dos trens ainda está lá, mas é uma pequena parte da história, hoje marcada por janelas tapadas por madeira e pelo uso da antiga plataforma pelo gado.
Na Boa Sorte, em Restinga, telhado, portas e janelas estão danificados e o mato domina a maior parte da estação -exceto uma porta, usada por uma igreja evangélica frequentada pelos moradores do Assentamento 17 de Abril.
Não estava desse jeito quando cheguei, estava melhor. Mas o vandalismo, dos próprio filhos de assentados, deixou [a estação] assim. É uma pena, disse o assentado Nilson Batista dos Santos, 59, há 11 anos na Boa Sorte. Ele afirmou ainda que o grupo tenta obter verbas, com apoio de ONGs, para recuperar não só a estação, mas o cinema e a igreja que existiam no bairro e que hoje também estão abandonados.
A estação de Franca, a maior da Linha do Rio Grande, tem pichações e a pintura está danificada em alguns pontos, mas a prefeitura nega problemas.
O prédio é tombado pelo Condephat [Conselho Municipal de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural] e foi restaurado nesta década. A nossa avaliação é que o prédio está bem, está preservado. A estação mostra a pujança da Mogiana, afirmou Jerônimo Sérgio Pinto, secretário da Administração de Franca.
A Indaiá, em Pedregulho, é outra estação crítica. O telhado está caindo e nem o nome da estação é possível ler direito. O que lembra que um dia por ali passaram trens e passageiros, transportando o progresso do início do século 20, é a plataforma e seus arcos, que sustentavam o telhado. Os resquícios da estação ficam ao lado do km 428 da rodovia Candido Portinari, que hoje faz o que a Linha do Rio Grande fazia no século passado: liga as duas maiores cidades da região, Ribeirão Preto e Franca.
Decadência
Fundada por Antônio de Queiroz Telles (Barão, Visconde e Conde de Parnaíba), José Estanislau do Amaral e a família Silva Prado, entre outros produtores rurais, a Mogiana foi a companhia a alcançar maior extensão no Estado, com ramais que tinham como meta atender os cafeicultores.
Após a quebra da Bolsa de Nova York, em 1929, que fez despencar as exportações de café do Brasil, parte dos ramais ferroviários da Mogiana começou a ser desativada, fato que, para os historiadores, é prova de que a estrada de ferro atendia somente o interesse dos cafeicultores.
Segundo o pesquisador Ralph Mennucci Giesbrecht, o transporte de passageiros nunca foi rentável financeiramente para as empresas e era, inclusive, subsidiado pelo transporte de café.
As construções das linhas férreas da Mogiana duraram 48 anos, de 1873 a 1921. Nos primeiros 27 anos, o transporte de café apresentou crescimento de 25 vezes, o que funcionou como propulsão para o desenvolvimento.
Brodowski se desenvolveu com a chegada da estação de trem
Atrás da Engenheiro Brodowski, uma escultura acena para os passageiros que deixam a estação rumo a Caribê ou Visconde de Parnaíba. Os trilhos não existem mais, a estação hoje só se chama Brodowski, Caribê foi demolida e Visconde de Parnaíba é apenas um local usado por vacas para pastar. Mas a escultura erguida na década de 90, que integra o Complexo Cultural Mogiana, na Praça das Artes, homenageia o centenário da construção da estação que originou a cidade.
Brodowski é o exemplo mais claro na Linha do Rio Grande de município que se desenvolveu a partir de uma estação ferroviária. O próprio nome da cidade é uma homenagem ao engenheiro Alexander Brodowski, inspetor da Mogiana.
Logo nos primeiros anos após a implantação da estação, ainda na última década do século 19, surgiram duas capelas, Santa Cecília e Nossa Senhora Aparecida, além de várias casas ao lado da estação. Em 22 de agosto de 1913, deixou de ser distrito de Batatais e ganhou autonomia. Em Brodowski, há preservação, afirmou o pesquisador em ferrovias Ralph Mennucci Giesbrecht.
Esse é só um exemplo de como a ferrovia desenvolveu os municípios. A cidade seguinte na rota, Batatais, teve forte desenvolvimento após a linha férrea. Em 1898, 12 anos após a chegada dos trilhos à cidade, relatório do intendente Washington Luís, que três décadas depois seria presidente da República (1926-30), mostra que, em sete anos, as construções da cidade quase dobraram: passou de 420 imóveis para 800.
Antes [da existência da linha], o transporte era feito por meio de tropas de burros, carroças ou carros de boi. Ela significou a chegada da modernidade para as cidades. O correio, a moda, os livros, a circulação de ideias e produtos se dava pelos trens. Por eles chegaram os imigrantes, afirmou a historiadora Tânia Registro, do Arquivo Público e Histórico de Ribeirão Preto.
O café é apontado como principal responsável pelo ciclo desenvolvimentista em Batatais.
Trens não levam passageiros na região há 11 anos
O transporte de passageiros por ferrovias na região completou, em 2008, 11 anos de inatividade. Não sobraram nem mesmo opções turísticas.
O final de 1997 marcou a despedida do transporte convencional de passageiros em linhas da Companhia Mogiana na região. Três anos antes, a linha turística da Estrada de Ferro Vale do Bom Jesus já tinha deixado de operar.
A ferrovia, que atraía muitos estudantes, fazia um trajeto até Rifaina, que só durou até 1994, quando uma erosão impediu a continuidade da operação. Com isso, o trem de passageiros mais perto da região atualmente está em Jaguariúna, de onde sai um passeio até Campinas.
Fonte: http://www.revistaferroviaria.com.br/in ... 8&pagina=1