TRENS ELÉTRICOS E TRAÇÃO

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AGV
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TRENS ELÉTRICOS E TRAÇÃO

Mensagem não lida por AGV » 16 Jul 2008, 18:28

http://epx.com.br/artigos/tremeletrico.php

Uma excelente visão geral dos conceitos de tração, deste o vapor até os "M.I.L" (Motores de Indução Linear)



Tração sempre foi o principal problema da tecnologia ferroviária. Ela é o maior custo operacional, seja em eletricidade ou combustível; o uso eficiente da energia é essencial para fechar as contas da ferrovia no azul.

Para ficar num exemplo, a exuberância da Companhia Paulista de Estradas de Ferro deve-se inteiramente à corajosa decisão de, nos anos 1920, converter sua tração de vapor para elétrica (lembrar que o Brasil não produzia nenhum equipamento na época, nem sequer seu próprio aço!).

A troca foi motivada pela escassez de carvão (também importado) por causa da I Guerra, a que seguiu-se escassez da lenha, que chegou a custar dez vezes o preço pré-guerra do carvão. A Companhia teria de investir pesadamente em florestas plantadas, que demoram anos para amadurecer, ou então partir para a eletrificação, cuja infra-estrutura ainda é usada em alguns pontos pelos trens da CPTM.

A tração ferroviária é mais complicada que a tração rodoviária, pois a transmissão da energia mecânica deve ser adequada à estrada de ferro com rodas de aço. Ao contrário do que parece, uma locomotiva patina muito facilmente, em particular em aclive ou com trilhos molhados.

Como todo mundo sabe, a tração ferroviária começou com as locomotivas a vapor, que duraram até os anos 1970 em algumas partes do mundo. A complexidade do vapor concentra-se na caldeira, que é a parte (literalmente) "explosiva" da máquina. A tração consiste simplesmente de um pistão de ação dupla (puxa em ambas as direções), movido pelo vapor, e ligado às rodas por braçagens.

A simplicidade da transmissão do movimento às rodas traz sérios inconvenientes. Uma locomotiva a vapor tem "força constante", ou seja, gera a mesma força linear de tração, ou empuxo, independentemente da velocidade. A força exercida pelo vapor no pistão é transmitido às rodas; o empuxo máximo é função direta da pressão máxima do vapor sobre a cabeça do pistão.

Assim, uma maria-fumaça é equivalente a um carro sem caixa de mudanças; a relação de marcha é fixa, limitando severamente a aplicação da locomotiva. Assim, havia máquinas "de carga", com rodas pequenas, que traduziam-se em grande empuxo e baixa velocidade máxima; e máquinas de passageiros, com rodas bem grandes, para puxar trens leves e andar rápido.

Outro problema do vapor é a transmissão de força por braçagens, que é muito parecido com um pedal de bicicleta. A força é transmitida de forma pulsante. Dificilmente alguém repararia nisso, mas as braçagens de um lado são defasadas em 90 graus em relação ao outro lado, para que sempre haja um lado puxando, do contrário a locomotiva não poderia partir se parasse com as braçagens em ângulo "morto".

As rodas de vapores têm contrapesos, o que visa aliviar as pulsações, mas o contrapeso é fixo e só tem efeito quando a roda está girando.

A tração máxima de uma locomotiva é em torno de 20% do seu peso, em trilhos secos e limpos. Assim, um excesso de força faz as rodas patinar facilmente, o que causa uma série de problemas (pode destruir as rodas e/ou os trilhos se persistir). A força pulsante do sistema a vapor provoca facilmente patinagens - é comum em filmes de época a locomotiva dar uma patinadinha quando sai da imobilidade. O filme "A Lista de Schindler" é um deles onde pode-se constatar isso.

Ainda outro problema da locomotiva a vapor é a sua característica de "força constante". Potência é igual a força vezes velocidade. Se a força é constante, a potência é função da velocidade. Assim, uma locomotiva a vapor desenvolve muita pouca potência útil quando anda devagar. Isso é particularmente verdadeiro em aclives.

Pior ainda, como o gasto de carvão, lenha ou óleo é mais ou menos constante independente da velocidade, andar devagar significa um baixo rendimento térmico. Por conta disso, o rendimento médio de uma maria-fumaça é 7% a 10%.

Por outro lado, com força constante, uma locomotiva atinge potências muito elevadas se tiver a oportunidade de atingir alta velocidade. As locomotivas mais potentes do mundo que já existiram são todas a vapor. Infelizmente é uma potência não disponível o tempo todo, conforme vimos.

Carvão de qualidade suficientemente boa para queimar em locomotivas só existe em certas partes do mundo; o carvão brasileiro, por exemplo, não serve. Lenha é caríssima; óleo é sujeito às Guerras do Golfo e choques do petróleo que acontecem a cada década.

Todos os fatores supramencionados levaram à promoção da locomotiva elétrica, tão logo surgiu o motor elétrico, isso antes mesmo da lâmpada incandescente.

O motor elétrico tem algumas vantagens que vêm especificamente ao encontro dos problemas de tração ferroviária. Seu torque é contínuo, não é pulsante. Não depende de uma caldeira para funcionar, o que afasta o maior pesadelo do maquinista -- a explosão da caldeira. Não depende de abastecimento de água a cada estação. Torna fácil construir uma locomotiva com 2 cabines, que possa andar para os dois lados sem precisar ser fisicamente virada (um vapor pode andar de ré, mas a visão do maquinista fica muito prejudicada.)

O princípio de funcionamento do motor elétrico é muito simples, o que levou-o a ser inventado antes mesmo da lâmpada de Edison. Basicamente é um campo magnético fixo na carcaça - o estator - e um campo magnético dentro da carcaça que pode girar em torno de um eixo - o rotor. O campo magnético do rotor reage com o do estator, como dois imãs atraem-se ou repelem-se até atingir um estado de equilíbrio.

Se rotor e estator fossem ímãs, o motor daria no máximo meia volta e pararia, logo que o Norte do rotor chegasse junto do Sul do estator. O que faz o motor girar é a comutação periódica do campo magnético do rotor, de modo que ele sempre esteja sendo atraído (ou repelido) pelo estator. Por conta dessa comutação, pelo menos um dos campos magnéticos tem de ser produzido eletricamente, e não por imãs permanentes.

Em motores pequenos, como os existentes em brinquedos, o campo magnético do estator costuma ser fornecido por um imã permanente. Nestes, a alimentação do rotor é feita por um comutador de escovas, fonte de ruídos e manutenção. Apesar das desvantagens, a escova é um dispositivo simples, e o motor não precisa de nenhum circuito adicional para funcionar.

Em motores de passo e motores sem escova, comuns em computadores, o rotor é um imã permanente, e o estator é alimentado. Portanto, é a polaridade do estator que tem de ser periodicamente invertida. Como não há escovas, as comutações têm de ser controlados eletronicamente. Mesmo uma simples ventoinha de computador possui um circuito integrado de controle embutido. As vantagens compensam a complexidade: o motor sem escovas não produz ruídos e não tem peças sujeitas a desgaste -- dura "para sempre".

Motores mais potentes usados em liquidificadores e locomotivas têm de gerar muito torque, o que inviabiliza o uso de imãs permanentes. Nestes, rotor e estator usam ambos bobinas alimentadas com eletricidade. Existem várias formas de ligar essas bobinas à fonte de energia: em série, em paralelo, misto etc.

O motor mais importante para tração é o motor série, pois ele fornece potência mecânica constante em uma faixa grande de rotações, ou seja, grande torque em baixa RPM, baixo torque em alta RPM, sempre usando de forma eficiente a energia elétrica. Ele também pode ser alimentado, em tese, tanto por corrente contínua (CC) como por corrente alternada (CA).

Por funcionar tanto com CC quanto com CA, o motor série é também chamado de "motor universal". (Na verdade, há alguns detalhes na construção de um motor série que vá trabalhar com CA, mas continua sendo um motor série.) A maioria dos eletrodomésticos usa motores série devido ao seu grande torque de partida. Uma exceção importante são os ventiladores que costumam usar motores de indução, pois uma hélice só impõe carga em rotações elevadas.

Um grande problema do motor série é que, se ele for ligado sem carga, sua RPM aumenta muito (afinal ele é de potência constante: se a força tende a zero, a velocidade vai tender a infinito), até possivelmente chegar à destruição. Portanto, aquela dica de não ligar o liquidificador sem carga NÃO é uma lenda urbana. Na verdade, dificilmente um motor queima por esse motivo, pois quase sempre o motor do eletrodoméstico tem um ventilador no eixo.

Nos trens, o motor nunca fica sem carga, exceto possivelmente quando patina, e de fato o motor pode ser danificado se patinar por muito tempo. Assim, a patinagem é evitada por treinamento do maquinista, e mais modernamente por circuitos de detecção de patinagem, algo semelhante aos freios ABS dos automóveis.

Para o mundo ferroviário, o motor série é quase perfeito por ter potência constante. O único senão é a presença da escova, que dará manutenção mais cedo ou mais tarde, principalmente pelas grandes tensões e correntes envolvidas. Um motor ferroviário típico tem 500HP, o que significa mais de 700A para uma tensão de alimentação de 500V.

As primeiras locomotivas elétricas eram inspiradas nas marias-fumaça, e usavam braçagens para transmitir força às rodas. Foi uma grande mancada pois a força continua sendo pulsante, o que faz a locomotiva patinar (embora menos que o vapor). Com o tempo, adotou-se a transmissão direta por engrenagem, que persiste até hoje.

Um leigo deve achar que deve haver uma complexa caixa de engrenagens entre o motor e a roda. Na verdade, costuma haver apenas uma redução: um pinhão de, digamos, 14 dentes no eixo do motor, e uma coroa de 96 dentes no próprio eixo da roda de ferro. Nada mais simples e robusto. Umas poucas locomotivas de manobra, pequenas e de baixa potência, têm 2 reduções, e nada mais.

O motor sustenta-se no próprio eixo, ou quando muito, no truque (o quadro que liga as rodas 2 a 2). A locomotiva fica "solta", simplesmente apoiada em cima dos truques; as únicas ligações são os cabos elétricos para os motores, e tubos de ar para os freios.

Naturalmente, um motor ferroviário terá um torque absurdamente grande, e uma RPM relativamente baixa, para que apenas uma redução seja suficiente. Como há um motor por eixo (o que dá 4 ou 6 motores por locomotiva), a unidade individual não precisa ser tão grande assim. Uma locomotiva de 3000HP terá 6 eixos, portanto 6 motores, e motores de 500HP ficam num tamanho manejável, um pouco maior que um gaveteiro de escritório.

Uma locomotiva elétrica moderna típica tem 5000 cavalos. As velhas "V8" da Companhia Paulista, de 1930, já tinham 3800 cavalos. Toda essa potência não era para fornecer um torque absurdo, e sim para permitir altas velocidades (o recorde de velocidade em uma ferrovia brasileira, 160Km/h, pertence a uma V8 da Fepasa).

A principal limitação de uma locomotiva elétrica passa a ser o seu empuxo máximo, que é 20-25% do peso sobre as rodas de tração. No caso específico da V8, que pesava 165 toneladas, e 132 toneladas sobre os eixos motores, aplicar 3800HP em baixa velocidade seria suicídio.

Um grande problema da locomotiva elétrica é levar a eletricidade até ela. Para isso, é necessário usar uma linha de contato acima da locomotiva, com uma catenária fazendo o contato. Os trilhos fazem o papel de terra. Ou então usar um trilho como "vivo" e outro como terra. O trilho "vivo" é evidentemente mais perigoso para civis que passem pelos trilhos, e a voltagem utilizável fica muito reduzida. A catenária ainda é o que há de menos pior.

O formato da energia transmitida pela catenária também é importante. Pelo estado atual da eletrônica de potência, a transmissão em corrente alternada monofásica de alta tensão (50KV ou mais), usando os trilhos como terra, é o predileto.

Mas até 1950 a vida era mais romântica e não existia eletrônica de potência. Diversos formatos competiam pela primazia na ferrovia, cada um com vantagens e desvantagens.

Corrente contínua
O motor série é idealmente alimentado por CC. Sendo assim, é uma conclusão natural transmitir CC na catenária.

A primeira vantagem é a simplicidade das locomotivas, já que recebem energia pronta para uso nos motores. O circuito local limita-se ao controle de velocidade. Controla-se a velocidade interpondo resistências no circuito do motor (o que desperdiça energia), ou preferivelmente ligando os diversos motores em série, paralelo, série-paralelo etc. (dentro de cada motor, a ligação das bobinas é sempre série.)

Outra vantagem é a possibilidade de regeneração, ou seja, a locomotiva gera energia quando e.g. está num declive, de modo que outras locomotivas da linha possam usá-la. Para converter um motor série num gerador CC, basta alimentar o estator com um pouco de corrente contínua.

Um gerador "pesa" ao ser girado; é a lei da conservação da energia. Assim, uma locomotiva regenerando energia também freia o trem. Por ser uma frenagem sem atrito, isso poupa o freio de atrito além de poupar energia. Em uso normal, o freio de atrito é usado apenas como "freio de mão" para manter um trem imobilizado, e é claro numa frenagem de emergência.

Se uma locomotiva está gerando energia, mas não há nenhuma outra para consumí-la, não haverá o efeito de frenagem. Girar o eixo de um gerador que não está ligado a nenhuma carga não "pesa" nada. Seria preciso voltar a usar os freios de atrito. Para evitar isso, algumas ferrovias colocaram gigantescos resistores nas subestações para absorver a energia extra. Outra opção é colocar esses resistores na própria locomotiva, estratégia universalmente adotada hoje pois funciona mesmo que a catenária perca o contato com a linha.

A Companhia Paulista, no seu auge, chegava a regenerar 50% da energia em declives. Em havendo um trem subindo pela mesma linha, isso significa 50% menos consumo de energia.

Uma linha CC tem seus problemas também. A voltagem não pode ser muito alta, do contrário haverá perdas com faiscamento, efeito corona etc. O máximo praticável está em torno de 3000V. Valores típicos de ferrovias eletrificadas que existem ou existiram no Brasil: 600V (o trolley-bus de São Paulo usa esta), 750V, 1500V, 3000V (esta última usada pela Companhia Paulista desde os anos 20, e ainda em uso no trem metropolitano da CPTM).

Outro problema do CC é a conversão. Nenhuma usina elétrica produz CC; é necessário converter corrente alternada (CA) comprada no mercado para CC. Nos tempos da Companhia Paulista, o único método conhecido era o motor-gerador, ou seja, um motor CA fazendo girar um gerador CC. Tudo era montado numa mesma carcaça, de forma que alguns chamam o conjunto de "transformador rotativo". É uma tecnologia cara e que dá manutenção.

Com a limitação de voltagem da linha CC, as correntes usadas são muito altas (1000A ou mais), e as perdas no fio são relativamente grandes. É necessário que as subestações sejam próximas umas das outras, em torno de 40Km. Ou seja, além das subestações serem caras, devido ao sistema motor-gerador, elas também têm de ser numerosas.

Um pouco mais recentemente (anos 40), apareceu a válvula de vapor de mercúrio que possibilita converter CA para CC sem partes móveis. Esta tecnologia foi adotada na eletrificação da ferrovia Sorocabana.

Dos anos 60 em diante, a conversão CA-CC é feita por dispositivos de estado sólido, como diodos e tiristores, obsoletando de todo as tecnologias anteriores. Infelizmente, no Brasil, as ferrovias eletrificadas estão quase extintas, então essa evolução não chegou a ser relevante por aqui.

Corrente alternada monofásica
Como um motor série pode ser alimentado por CA, pode-se então usar CA na catenária, usando-se locomotivas em tese semelhantes àquelas que usam CC.

A grande vantagem do CA reside nas subestações. Como a linha pode usar tensões muito maiores (25 e 50KV são valores típicos) sem perdas por efeito corona, a corrente é muito menor e as perdas por resistência também caem. Isso permite usar menos subestações. E a conversão CA-CA da tensão da usina para a tensão da catenária pode ser feita por transformadores comuns (estáticos, sem partes móveis).

O controle de velocidade das locomotivas é ainda mais flexível que em corrente contínua. Instala-se um transformador rebaixador de tensão em cada locomotiva com diversas voltagens de saída. Comutando-se a voltagem aplicada aos motores, controla-se sua potência de saída sem nenhuma ineficiência, sem desperdiçar energia na forma de calor como acontece quando se usa resistores.

Mas essa técnica é deveras antiquada. Locomotivas elétricas um pouco mais modernas convertem CA para CC usando diodos tiristores (que de quebra também permitem controlar a velocidade) e usam motores CC.

Graças à tecnologia, qualquer ferrovia eletrificada moderna optaria por uma linha de contato CA monofásica. Porém, não havia eletrônica nos anos 1920 e CA monofásico tinha desvantagens importantes que levaram por exemplo a Companhia Paulista optar por CC.

A primeira, e grande, desvantagem de CA monofásico para uso direto em motores série é que sua freqüência tem que ser baixa (16Hz é um patamar típico). Isso porque os motores série "universais", mesmo quando construídos para funcionar com CA, dão muitos problemas com altas freqüências.

Se a ferrovia é servida por uma usina hidrelétrica ou termelétrica dedicada, como era comum antigamente, não há problema: basta gerar a energia na freqüência final desejada. Mas esta opção hoje em dia é impensável. E mesmo a Companhia Paulista nos anos 1920 achou melhor comprar eletricidade de terceiros do que construir suas próprias usinas, muito embora tivesse até mesmo adquirido terrenos com cachoeiras para isso.

Então, não era possível usar diretamente a energia de 50 ou 60Hz que é comprada da companhia de eletricidade. É necessário convertê-la para outra freqüência, e isso novamente exige o uso dos caros transformadores rotativos nas subestações. Assim, a pior desvantagem do CC acaba desqualificando também o CA monofásico.

Quanto menor a freqüência, maior tem de ser o transformador. Como o AC monofásico presume que cada locomotiva carregue um transformador, isso também aumenta o custo.

O último grande problema do CA monofásico é a impossibilidade de regeneração de energia, pois o motor série gera CC, não CA. A regeneração poderia ser usada apenas para frear, desde que fossem instalados resistores nas locomotivas. (Hoje em dia, isso novamente seria resolvido usando-se um conversor CC-CA eletrônico.)

Tais fatores levaram a Companhia paulista a optar por CC, no início do século XX. Volto a lembrar que as limitações citadas foram todas eliminadas pelo advento da eletrônica de potência, e que hoje em dia CA monofásico seria a melhor opção.

Antes que alguém pergunte, os motores de indução monofásicos, comuns em nosso cotidiano, não têm utilidade em tração ferroviária. Tais motores possuem torque e eficiência muito baixos na partida. Baixa eficiência significa converter eletricidade em calor, calor que faz o motor queimar mais cedo ou mais tarde. Se você sempre quis saber porque o motor da máquina de lavar queima a cada 2 anos, aí está a sua resposta.

Corrente alternada trifásica
Já o motor de indução trifásico não sofre dessas desvantagens. Pode-se usá-lo quando há necessidade de grande torque de partida. Assim, algumas ferrovias antigas optaram por essa modalidade de tração.

Um motor de indução é basicamente um transformador rotativo que consome toda a energia recebida, transformando-a em energia mecânica. O rotor é uma bobina curto-circuitada que recebe energia magneticamente, por indução do estator, ao invés de captar energia diretamente pelas escovas.

O campo magnético do estator oscila pois a corrente é alternada. Este campo oscilante induz corrente no rotor. A corrente circulante no rotor curto-circuitado produz um campo magnético, que reage com o estator e faz o eixo girar.

Num sistema CA trifásico, as 3 linhas de alimentação são defasadas de 120 graus, ou seja, estão em tensões diferentes o tempo todo. Essas diferenças, aplicadas diretamente a três bobinas conectadaa em Y ou em triângulo, criam um campo magnético girante no estator. Não é preciso nem escovas nem circuitos eletrônicos para fazer "girar" o campo do estator.

Assim, o motor de indução não tem partes sujeitas a desgaste como escovas. Sua fabricação é mais simples e barata, e pode ser feito muito mais potente que CC, dado um mesmo tamanho, peso ou preço.

O motor de indução monofásico funciona da mesma forma, porém só tem uma fase. O campo produzido pelo estator não gira, apenas oscila. O rotor só consegue produzir torque a partir desta oscilação se ele já estiver girando. Se está parado, continua parado; só vai vibrar (oscilar) junto com o estator.

Para que o motor monofásico consiga sair da imobilidade, pode-se ligar um pequeno motor série no mesmo eixo, mas isso é muito caro. O mais comum é "forjar" uma segunda fase de corrente alternada através de um simples capacitor (aquele calombo em cima do motor). Funciona e até proporciona um torque de partida aceitável para muitas aplicações.

Mas o capacitor precisa ser desligado quando o motor atinge a rotação de trabalho; isso é feito por um platinado centrífugo, algo semelhante a uma escova, que cedo ou tarde estraga. Esse é o defeito mais comum de motores monofásicos: o platinado "gruda" e o capacitor queima. Na próxima partida, o capacitor está inoperante, o motor não gira e aí queimam as bobinas. Chame o técnico da máquina de lavar.

Voltando ao motor de indução trifásico. O grande problema de sua aplicação na ferrovia eletrificada é a necessidade de 3 linhas de contato. Ou, no mínimo, 2 linhas aéreas e 1 linha usado-se os trilhos. Por conta disso, as ferrovias trifásicas sempre foram escassas no mundo, em qualquer época. O exemplar mais representativo está nos Alpes suíços que funciona até hoje.

O controle de um motor de indução sem o uso de eletrônica, é muito complicado. A rotação de trabalho do motor é função da freqüência da energia e do número de pólos. As únicas opções que existiam antigamente eram:

* comutar o número de pólos dos motores de tração, um controle bastante limitado, mas que foi o adotado nas ferrovias trifásicas;

* instalar um motor-gerador em cada locomotiva, que gere CA trifásica na freqüência desejada. Embora possível, é incrivelmente caro e adiciona peso morto.

As vantagens do sistema trifásico são a possibilidade de usar-se altas voltagens, e a regeneração em declive ser *muito* eficiente (mais eficiente que em CC), e sem necessidade de alimentar o motor com corrente contínua para transformá-lo em gerador.

Naturalmente, pela evolução tecnológica, as ferrovias trifásicas com 3 linhas de contato são completamente obsoletas.

Locomotivas diesel-elétricas
No Brasil, a forma de tração mais comum é a locomotiva diesel-elétrica. Ela é uma locomotiva elétrica com todas as suas características desejáveis, porém carrega sua própria usina: um motor diesel ligado a um gerador. Em geral, o gerador é de CA, retificada para CC por tiristores; e os motores de tração são CC.

Então, diferentemente do que muitos leigos pensam, não há qualquer conexão mecânica direta entre o barulhento motor diesel e as rodas.

As diesel-elétricas são uma invenção americana, que acabou "pegando" no Brasil. Se isso foi bom para o Brasil, é motivo de discussão até hoje.

Em geral, admite-se que nos EUA as diesel-elétricas são a solução ideal, pois o grosso da energia elétrica é gerada por termelétricas, então não faz diferença queimar o óleo numa usina ou numa locomotiva (a eficiência de locomotivas modernas está perto de 50%).

E a locomotiva diesel evita a instalação e manutenção das catenárias. Os EUA são um país continental, com ferrovias passando por desertos e lugares ermos. Uma locomotiva que carrega seu próprio combustível evita toda a problemática de instalar subestações e respectivo pessoal no meio do nada.

Já no Brasil, a energia hidrelétrica é mais comum, e aí as locomotivas puramente elétricas talvez fossem mais adequadas. Mas ferrovias elétricas exigem investimentos na infra-estrutura elétrica, e aqui o dinheiro sempre está curto para investimentos... Já uma diesel-elétrica é auto-suficiente, basta abastecer e rodar.

Costuma-se dizer que uma locomotiva elétrica é três vezes mais potente que uma diesel-elétrica, dado o mesmo peso. Parece ser uma desvantagem importante.

No entanto, o empuxo máximo de uma locomotiva é algo em torno de 25% do seu peso. Como a diesel-elétrica é "lastreada" pelo peso do gerador, seu esforço de tração é muito alto, particularmente em baixas velocidades. Há histórias de locomotivas diesel de 900HP puxando mais peso que uma elétrica de 3800HP no mesmo trecho de aclive de serra.

Falando em serra, no Brasil temos esse velho problema: a Serra do Mar. Todo acesso ao litoral implica em subir ou descer a serra. Às vezes, é preciso subir e descer morros mesmo indo entre 2 cidades de litoral! Assim, o grande problema do transporte ferroviário é vencer a serra, e nesse cenário as pesadas diesel-elétricas estão em casa.

Já na Europa, onde predominam planícies sem fim, e as distâncias são menores, e o transporte ferroviário de passageiros é popular, as rápidas locomotivas puramente elétricas respondem melhor.

O uso de diesel-elétricas induz o uso de trens-tipo apenas para carga (pois passageiros têm pressa) pesados (ou seja, com muitos vagões) e lentos (pois é nas baixas velocidades que as diesel têm o máximo esforço de tração). É o trem mais comum nos EUA e agora também no Brasil. Isso também diminui os custos com pessoal, pois apenas um maquinista controla um trem com mais de 100 vagões.

Um problema enfrentado pela FEPASA (que herdou os ativos da Companhia Paulista) foi a capacidade limitada do sistema elétrico no uso tração múltipla - várias locomotivas acopladas puxando um trem. As subestações não davam conta de alimentar tantas locomotivas numa mesma linha. Seria necessário aumentar a potência de todas as subestações. Desnecessário dizer que as diesel-elétricas não têm qualquer problema com tração múltipla.

Já ferrovias eletrificadas costuma(va)m ter trens-tipo leves e rápidos. Tais trens são comuns na Europa, onde também é comum usar-se trens para transporte de passageiros (o que obriga os trens a serem rápidos). Também há um certo empreguismo na Europa, assim obrigam-se a usar trens mais leves para manter muita gente ocupada e empregada.

A potência das diesel-elétricas em uso no Brasil varia de 600HP a 3000HP, e todas usam motores de tração CC. As mais comuns são as G-22U de 1650HP, usadas em tração tripla nas ferrovias de bitola métrica como a Curitiba-Paranaguá (foram fabricadas especialmente para elas, devido às curvas apertadas.) Lentamente as C-30 de 3000HP estão sendo importadas e aplicadas onde os raios de curva são menos críticos.

As mais novas locomotivas diesel-elétricas, geralmente fabricadas e aplicadas nos EUA, estão saindo com 6000HP, e são divididas em 2 carros permanentemente acoplados (lembrando um pouco as marias-fumaças com o tender de carvão). Ao invés de motores de tração CC, usam motores de indução CA trifásicos, controlados eletronicamente.

A mais poderosa diesel-elétrica, com 10000HP, foi construída nos anos 70 usando-se um motor de turbina. Apesar de poderosa, acabou padecendo de problemas inesperados.

O mais grave, que determinou a inviabilidade da turbina em ferrovias, foi a fadiga nas palhetas da turbina causada por impactos de engate, desengate e folgas dos engates. (No entanto, algumas poucas unidades do TGV francês usam turbinas, pois os vagões são permanentemente acoplados e sem folgas. Fora os TGV "turbinados", o resto da frota é puramente elétrica).

O motor a turbina também consome muito combustível quando está "na lenta"; ele só é eficiente quando está perto da potência máxima - e trens de carga ficam grande parte do tempo parados ou em manobra.

Desligar a locomotiva quando parada não era uma opção. Turbinas não gostam de ser ligadas/desligadas a todo momento. E dar partida numa turbina é complicado, exigindo treinamento especial, e é um procedimento que não combina com maquinistas típicos. Além disso, boa parte dos EUA têm temperaturas muito baixas no inverno; desligar a locomotiva mataria as tripulações de frio, e estouraria canalizações de água por congelamento.

O último problema da locomotiva a turbina é que ela foi concebida para queimar óleo pesado "Bunker C" (mais pesado que o diesel), que era praticamente um rejeito, extremamente barato.

Só que logo depois foi inventado o "craqueamento" do petróleo, que transforma frações pesadas (como o Bunker C e diesel) em frações mais leves como a valorizada gasolina. Os óleos pesados deixaram de ser rejeitos, e o Bunker C passou a custar tão caro quanto qualquer outro combustível.

No entanto, ainda existe o interesse de usar-se esporadicamente óleos mais pesados, que às vezes baixam de preço. O biodiesel, fabricado a partir de óleos vegetais, também é mais espesso (quando frio) que o diesel mineral. A maioria dos motores diesel, em particular os de locomotivas, é capaz de queimar biodiesel ou óleo pesado, desde que misturados com um pouco de diesel.


Tendências da tração elétrica
Como já foi dito, os motores de indução CA trifásicos possuem diversas vantagens sobre os motores série CC, como a ausência de partes sujeitas a desgaste. Porém o fato de eles rodarem apenas em velocidades predeterminadas e a exigência de três linhas de contato impediu, a princípio, sua difusão nas ferrovias.

Pode-se controlar um motor a indução controlando-se a freqüência da sua alimentação. Mas, em paralelo, é necessário aplicar a voltagem correta para a freqüência em uso, e ao torque pretendido. Tal controle só é possível com o uso de eletrônica, se possível com a ajuda de um computador.

O controle de motores de indução de "pequena" potência (até 10HP) existe há um bom tempo, mas a eletrônica capaz de lidar com milhares de HP surgiu apenas a partir da década de 80, e as evoluções mais recentes datam da década de 90 (portanto, são mais recentes que o IBM PC).

A primeira grande novidade, dos anos 80, foi o tiristor GTO. Tal dispositivo permite "fabricar" uma tensão CA de qualquer voltagem e freqüência, a partir de uma fonte CC, nos níveis de potência ferroviários.

A técnica para criar uma tensão CA é o PWM (Pulse Width Modulation), a mesma que é usada por amplificadores de áudio para subwoofer. Por meio de liga-desligas CC, uma onda CA é construída, como um mosaico.

A velocidade de comutação do GTO é em torno de 900 comutações por segundo. É suficiente para a tarefa, mas poderia ser melhor. Em freqüências CA muito altas, a onda sai "quadrada" demais, o que estressa o isolamento dos motores a indução, gera ruído que prejudica linhas telefônicas ao longo da ferrovia etc.

A segunda novidade foi o transistor IGBT, nos anos 90. Este componente tem velocidade de comutação muito superior ao GTO, permitindo assim uma melhoria da qualidade da alimentação dos motores.

A locomotiva com motores de tração a indução, e controle de velocidade por IGBT, é hoje o estado da arte da tração elétrica. Como o IGBT é alimentado por CC, tanto faz a tensão e freqüência da catenária. Existem mesmo locomotivas adaptáveis a diversas tensões de entrada.

Em ferrovias modernas, a catenária recebe CA de alta tensão (algo em torno de 50KV); esta energia é convertida para CC, e então reconvertida para CA pelo controle IGBT, na freqüência e tensão mais adequada à marcha do motor.

As diesel-elétricas mais modernas também usam IGBT e motores de indução. Mas não espere ver uma dessas rodando perto de sua casa, ao menos por enquanto. As empresas ferroviárias têm importado modelos usados como a C-30, que ainda usam motores CC.

Além disso, muitas de nossas ferrovias têm características próprias: declividade muito alta, curvas muito apertadas, trilhos muito "leves" que suportam locomotivas de no máximo 80 toneladas. Locomotivas novas têm 6 eixos, ou seja, exigem curvas muito abertas, e pesam em torno de 200 toneladas. Uma locomotiva dessas, se colocada na ferrovia Curitiba-Paranaguá, "entalaria" na primeira curva, ou "abriria" os trilhos num dormente mais comprometido.

Por enquanto, a perspectiva para nossas ferrovias do tempo do Império é manter as velhas locomotivas G22, de 4 eixos e 80 toneladas, funcionando pois elas foram especialmente construídas para os raios e aclives das ferrovias em que atuam. Elas têm sido quase que exclusivamente usadas em tração tripla, como se fossem uma única e poderosa locomotiva, para permitir a composição de trens mais longos.

Outros tipos de transmissão
Pequenos autos de linha (aqueles trenzinhos que transportam operários da ferrovia) sem dúvida podem usar, e usam, motor diesel comum com transmissão mecânica. Ainda, como em geral são adaptações de caminhonetes comuns, eles têm embreagem, caixa de mudanças e tudo mais. Mas a transmissão mecância torna-se rapidamente inadequada para o peso de um trem de carga.

Nos anos 50, algumas locomotivas tentaram também a transmissão hidráulica, semelhante à existente em automóveis de câmbio automático, mas sem a caixa de mudanças. Locomotivas de baixa potência e veículos automotrizes de passageiros (como a "litorina" prateada conhecida aqui no sul do Brasil) usaram essa técnica com sucesso.

Mas a transmissão "diesel-hidráulica" também torna-se inadequada para potências muito altas, pois ela apresenta perdas mecânicas (pelo mesmo motivo, um carro de câmbio automático bebe mais gasolina que um carro com câmbio manual). Além dessas perdas custarem diesel, elas acabam aquecendo o óleo de transmissão, que tem de ser resfriado de algum modo. O aquecimento provocado por perdas numa locomotiva típica de 2000HP seria algo incrível.

Desta forma, praticamente toda tração "séria" em ferrovias é feita por motores elétricos rotativos, mesmo em locomotivas de baixa potência como as de manobra (potência em torno de 600HP).

Nos anos 80 estava na moda o conceito de "motor linear", onde o campo magnético do estator, construído de forma plana, reage diretamente contra o trilho de aço. Isso elimina até mesmo as duas engrenagens que ligam o motor rotativo à roda.

O conceito é tentador, mas na prática os motores lineares são muito pouco eficientes (60-70%, contra os 93% ou mais dos motores rotativos). Parece que eles estão sendo usados apenas para frenagem, nos TGV franceses mais novos, mas ainda com cuidado pois a energia dissipada é descarregada no trilho, fazendo-o aquecer, o que também pode ser inconveniente, em particular em linhas onde passa um TGV a cada 2 minutos.
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