Trem passa, ponte treme (21/04/2008 )
Maiza de Andrade, do A TARDE
A Ponte São João, que liga o Lobato a Plataforma, pela via férrea, está com a sua estrutura metálica comprometida pela deterioração do aço. A ferrugem está presente em quase todas as peças, sendo que muitas delas estão partidas e outras já caíram no mar. Quando o trem passa, a trepidação balança as peças, que ficam a ponto de cair sobre quem eventualmente passar sob a ponte, de barco, ou a nado.
O pescador Pedro de Souza diz que, quando passa no local ao mesmo tempo que o trem, ele acelera o motor do barco. “É arriscado cair uma peça”, disse Pedro, a bordo do saveiro Andrade I, na última quarta-feira. Segundo o pescador, outro fato que compromete a estrutura da ponte é a prática de pesca com bomba. “Quando é maré grande, todo dia, lá pelas 5 da manhã, eles botam bomba”, disse.
Apesar da situação, de aparente deterioração, a ponte foi considerada estável em inspeção feita em janeiro, a pedido da Companhia de Transportes de Salvador (CTS), da Secretaria de Transportes e Infra-Estrutura (Setin). No relatório da inspeção, contudo, a empresa Projconsult, do Rio de Janeiro, apontou a necessidade de algumas medidas de precaução como a redução da velocidade de tráfego dos trens e o uso de apenas uma das linhas.
Outra medida recomendada foi a de somente passar um trem de cada vez no vão de 450 metros e a de que os trens não sejam freados sobre a ponte. O diretor de Operações e Manutenção da ferrovia, Sérgio Coelho, disse que, após a entrega do relatório da inspeção, em fevereiro, as medidas têm sido tomadas e que o tráfego de trens está seguro no local. O diretor não divulgou o laudo da inspeção por considerá-lo como “um documento interno”.
Ele apenas citou o trecho do laudo que afirma que “com relação à superestrutura (parte metálica), apesar de deteriorados os nós das treliças, a Ponte São João mantém-se estável, porém recomendadas algumas precauções”. Pela ponte passam, atualmente, dois trens, com três vagões cada, que realizam 60 viagens por dia transportando o total de 15 mil passageiros. O trecho percorrido pelos trens é de 13,5 km e vai da Calçada até Paripe. Ao todo, o sistema dispõe de cinco trens.
Reforma – De acordo com o diretor Sérgio Coelho, mais um trem entrará em circulação em maio. O diretor não soube precisar quando ocorreu a última reforma da ponte, quando foi feita a colocação de peças de sustentação há cerca de cinco anos, quando ainda operava a Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), do governo federal. Ele disse que o aço da ponte “é até bom”, mas descartou a necessidade de pintura da estrutura, que é apontada pelos especialistas como a principal medida preventiva para evitar a deterioração do aço. “Pintura é mais para embelezamento”, disse ele.
Uma nova estrutura metálica está sendo preparada para substituir a original, erguida em 1947. Segundo Coelho, o prazo dado pela empresa contratada, a Iesa, de São Paulo, foi de um ano, contado a partir de janeiro último.
A obra custará R$ 16 milhões e será paga com recursos federais. O diretor descartou a possibilidade de a ponte ser interditada. A Ponte São João tem 1.700 toneladas de estrutura metálica assentada sobre 15 vãos de metros. A nova, segundo Sérgio Coelho, será um pouco mais leve, com 1.320 toneladas de aço que, segundo ele, será de qualidade mais apropriada para resistir à corrosão. As 1.700 toneladas de aço da ponte velha serão destinadas ao ferro-velho.
Situação – Impressionado com as imagens feitas pela reportagem de A TARDE do estado da Ponte São João, o engenheiro civil Carlos Emílio de Menezes Strauch disse se tratar de um caso de “desleixo total”. Professor do Departamento de Construção e Estrutura da Escola Politécnica da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Strauch diz: “Está uma vergonha”.
Ele chama a atenção para o fato de que, quando a estrutura enferruja, há um aumento de volume. “Quando se tira a camada de ferrugem, a estrutura pode estar intacta”, disse. Ao saber das recomendações indicadas após a inspeção na ponte, o engenheiro civil afirmou que isso indica que a estrutura está comprometida. Autor de projetos em estrutura metálica como os do Estádio de Pituaçu, do Centro de Convenções e da Concha Acústica, Strauch disse que a tragédia da Fonte Nova despertou a atenção das autoridades para a necessidade de cuidados como é o caso do Estádio de Pituaçu e da concha Acústica, que passam por obras de conservação.
Primeiro professor da disciplina Estrutura Metálica da Ufba, Carlos Strauch estuda o aço há mais de 40 anos. Ele conta que o aço começou a ser usado no País nos anos 40, quando a Ponte São João foi construída. Ele afirmou que, com manutenção preventiva, as estruturas metálicas “não acabam nunca”.
Segundo Carlos Strauch, a principal medida preventiva é a pintura, que, se for feita dentro das normas técnicas, só precisa ser renovada a cada cinco anos. “É a pintura que protege a estrutura”, disse. Ele explica que, se o aço (ferro fundido) ficar exposto ao ar, o ferro oxida (enferruja), voltando à forma que é encontrado na natureza. “Ferro metálico só se encontra no centro da terra, e ninguém vai lá buscar, não é?”, brincou.
Fonte :
http://www.atarde.com.br/cidades/noticia.jsf?id=870657