VLT campineiro enferruja em Rio Claro
09/03/2008 - Cosmo Online (SP)
O Veículo Leve sobre Trilhos, o VLT, que circulou em Campinas entre 1990 e 1995 e representou o maior fracasso na tentativa de dotar a cidade de um sistema alternativo de transporte, está virando sucata no pátio ferroviário de Rio Claro (a 87 quilômetros do município de origem). Pichado, vidros quebrados, lataria amassada, sinais de incêndio no interior de alguns dos carros, o VLT é testemunha de como o governo conseguiu jogar, literalmente no lixo, US$ 120 milhões, gastos nos trilhos e nas estações, algumas das quais nunca chegaram a funcionar.
Essa situação mostra o absurdo dos projetos iniciados para render votos, sem qualquer estudo de viabilidade. Muito dinheiro foi jogado fora, o VLT foi desativado e nada ocorreu. Temos agora um patrimônio virando lixo, quando poderia ser recuperado. Se não há como trafegar em Campinas, que entre uso em São Paulo, Rio de Janeiro, afirmou o consultor em transportes, José Roberto de Alencar, que acompanhou a implantação do VLT na cidade.
Três composições duplas estão em Rio Claro e cada uma delas ainda traz afixado no vidro da cabine os destinos: a primeira, com destino ao bairro Campos Elíseos; a segunda para a Vila Teixeira e a terceira para a Vila Pompéia. Estão paradas uma atrás da outra, formando uma fila de cabines e carros de cerca de cem metros e abrigadas dentro de um dos muitos galpões utilizados pela concessionária de ferrovias América Latina Logística (ALL), em Rio Claro.
O VLT estava sob a custódia da extinta Rede Ferroviária Federal S.A. (RFFSA), como ocorreu com vagões, locomotivas, trilhos, carros que não integraram o programa de concessão ferroviária e acabaram abandonados ao longo das ferrovias. Com a extinção da RFFSA, os bens passaram para a esfera patrimonial do Departamento Nacional de Infra-Estrutura dos Transportes (DNIT) que tem a guarda atual. Mas o VLT está guardado no pátio da ALL, em Rio Claro. A concessionária informou, no entanto, que apenas cedeu o espaço para o DNIT guardar os materiais. Antes de ir para Rio Claro, o VLT fabricado pela Cobrasma, estava no pátio em Jundiaí, para onde foi em maio de 1997.
O DNIT ainda não sabe o que fará com todo o material herdado da RFFSA. Por enquanto, o VLT é um veículo sem dono. A Rede Ferroviária foi extinta, a lei transferindo o patrimônio ainda não foi regulamentada, o que significa que o DNIT não recebeu oficialmente trens, vagões, prédios das ferrovias desativadas. O departamento informou, por meio da assessoria de imprensa, que ainda não foi feita a inventário e só depois disso é que será feito um plano de destinação do material.
O sistema foi inaugurado oficialmente em três oportunidades, rendeu votos a Luiz Antonio Fleury Filho (na época PMDB, hoje PTB) nas eleições de 1990, mas não ofereceu a planejada alternativa para os 600 mil usuários/dia dos ônibus urbanos. Inaugurado no final de 1990, só começou a operar comercialmente em abril de 1993. Apesar de ter sido construído com verbas estaduais, o VLT foi operado pelo município até agosto de 1993, quando a Prefeitura desistiu oficialmente do empreendimento e passou a concessão à Fepasa. Em 1995, foi desativado.
Mais conhecido pela denúncia de irregularidades na contratação da obra (superfaturamento e licitação viciada) que pelos benefícios que trouxe à população, o VLT nasceu da tentativa do ex-governador Orestes Quércia (PMDB) de cooptar o prefeito Jacó Bittar, então recém-saído do PT. O projeto esbarrou em dificuldades técnicas que as seguidas liberações de recursos não conseguiram contornar.
Urbanista defende retomada do sistema
Embora tenha sido um fracasso em função da falta de planejamento, cidades grandes, como Campinas não terão como fugir, em médio prazo, da implantação de metrô de superfície, defende o urbanista Cândido Malta Campos Filho. Sem isso, as cidades não terão como interromper o esvaziamento de seus centros ou oferecer um sistema de transporte coletivo que resolva os problemas de circulação que estão crescendo na medida em que a cidade vai se estruturando com os ônibus, carros e motos.
Os congestionamentos no centro histórico de São Paulo foram os responsáveis pelo abandono daquela região. Temos que evitar que aconteça em Campinas, afirmou durante o 1 Simpósio Regional - A ferrovia e a Cidade organizado pelo Instituto de Pesquisa Civitas acontecido no mês passado.
O secretário municipal de Planejamento, Vicente Andreu Guillo, disse, no entanto, que a implantação de um sistema de transporte ferroviário urbano é um tema que está fora da agenda política de forma geral e que Campinas também reflete esse desinteresse em nível nacional. Aqui, no entanto, o desinteresse tem o agravante da lembrança do fracasso que foi a implantação do VLT. Isso reflete na ausência de iniciativas de propostas novas. Os capitais hoje são destinados a sistema rodoviários, observou o secretário.
Campinas tem 120 quilômetros de leitos ferroviários dentro do município, com 654 metros quadrados de área útil para oficinas e manobras. Os leitos conectam o centro aos principais bairros e aos principais municípios da Região Metropolitana de Campinas (RMC). Mas tudo isso é espaço de abandono. O Plano Diretor de Campinas de 2006 definiu pela preservação dos leitos férreos desativados para transporte de passageiros, local, turístico ou lazer e também orientou o reestudo do sistema VLT, analisando alternativas de traçado de localização das estações e integração plena ao sistema por ônibus. Ou seja, pelo Plano Diretor, no leito do VLT não passará mais metrô, mas sim ônibus.
De acordo com o urbanista Cândido Malta Campos Filho, congestionamentos degradam regiões e, à medida que essas áreas recebem a rede metro-ferroviária, podem se valorizar novamente. Os empresários sempre buscam áreas com capacidade de circulação, disse.
Se há empecilhos hoje, o tema pode entrar na pauta da cidade para o futuro, mas não haverá saída. A retomada do transporte ferroviário é a única forma, aliada ao adensamento das áreas ao longo dos leitos, para melhorar a qualidade de vida nas cidades, afirmou.
O urbanista observou que é mais barato adensar ao longo das ferrovias do que levar infra-estrutura para novas áreas periféricas que vão surgindo na medida em que a população de áreas centrais vai sendo expulsa. (MTC/AAN)
Os erros do VLT
Tarifa igual a cobrada no sistema de ônibus urbano
Não havia integração com o sistema de ônibus, o que obrigava os usuários a fazerem longas caminhadas
Por não ter integração, favorecia apenas as pessoas que moravam perto das estações
Não chegava às regiões mais populosas
Tinha capacidade para transportar 72 mil passageiros por dia, mas atendia apenas a 5 mil
Trens transportavam bem menos do que a capacidade
Em 1993, quando começou a operar comercialmente, o VLT tinha 11 estações, três das quais (Curtume, Joaquim Vilac e Bonfim) jamais foram abertas. Para ser lucrativo, precisava transportar 100 mil passageiros por dia, mas não chegou a cinco mil, segundo os cálculos feitos à época pela Fepasa. O sistema tinha uma receita mensal - em 1995, último ano de operação - de R$ 60 mil e uma despesa de R$ 760 mil mensais para funcionar em apenas 7,8km.
Ele começou a operar sobre a antiga linha métrica da Sorocabana em novembro de 1990, ligando as estações Barão de Itapura a Aurélia. Em março de 1991, o VLT chegou até a Vila Teixeira. A Fepasa, dona do sistema, contratou a empreiteira Mendes Júnior para a operação da linha que funcionou gratuitamente até 1993 e somente pelas manhãs.
Em 1993, foi instituído o transporte diário das 6h às 21h, com a mesma tarifa do ônibus (CR$ 10,5 mil, na época) e os passageiros que já eram pouco (5 mil por dia), fugiram do sistema, fazendo cair para 3 mil passageiros diários. Isso fez com que a Prefeitura tivesse que subsidiar o sistema em US$ 200 mil mensais. Mesmo a integração com as linhas de ônibus, instituídas em 1994, não fizeram aumentar o faturamento, que fez com que, nesse mesmo ano, o VLT fosse desativado e tudo fosse abandonado e parte roubado. Algumas estações projetadas no meio do percurso, como Bonfim, Joaquim Vilac e Curtume jamais foram abertas. O trecho adicional, que deveria se estender pelo antigo leito da Mogiana, jamais foi construído.
Hoje o que resta é um conjunto de estações, como a Campos Elíseos, Vila Pompéia e Parque Industrial completamente depredadas, preocupando a vizinhança já que os espaços acabam se tornando lugar ideal para o tráfico de drogas.