Lescaut escreveu:E a Vale transporta os próprios funcionários assim, também, não?
Aliás, a mensagem do presidente da MRS, no seu site:
SONHO E PESADELO
Filas quilométricas de caminhões parados em importantes estradas do país. Produtos agrícolas apodrecendo nos silos. Indústrias reduzindo a produção e demitindo empregados. Queda nas exportações, desequilibrando a balança comercial e penalizando a economia brasileira. Um país que não cresce.
Esta, que parece cena de filme de terror, pode vir a ser a realidade brasileira daqui a poucos anos. A ausência de planejamento e ações para a infra-estrutura de transportes e logística do país está anunciando um apagão logístico, de conseqüências ainda mais graves que a crise energética que vivenciamos anos atrás.
Um olhar sobre o setor ferroviário traz mais nitidez a esta discussão. Quando transferiu a operação das ferrovias para a iniciativa privada, em meados dos anos 90, o Governo brasileiro expressava o desejo da sociedade de contar com mais eficiência no setor e de ampliar a participação dos trens na matriz nacional de transportes. Passada uma década, fatos e dados atestam os resultados positivos da iniciativa.
Juntas, as empresas de transporte ferroviário de carga movimentaram 392 milhões de toneladas em 2005, volume 55% maior do que o que foi transportado em 1997 (253 milhões). O peso da ferrovia no conjunto dos modos de transporte brasileiros subiu de 19% para 26%, neste período. Mais de R$ 10 bilhões foram investidos: na aquisição de locomotivas e vagões, na recuperação das linhas, na modernização da tecnologia, no desenvolvimento de pessoas. Só em 2006, as concessionárias estimam investimentos de cerca de R$ 2,5 bilhões.
São números expressivos, sem dúvida, mas o Brasil quer mais, o Brasil precisa de muito mais. As ferrovias estão preparadas para responder os desafios do presente e para contribuir com um futuro em que não aconteçam as cenas descritas no primeiro parágrafo. Mas, somente uma ação decidida e urgente de outros atores, especialmente do Governo Federal, pode superar os maiores entraves ao crescimento desejado.
Para chegar aos portos de Santos e do Rio de Janeiro, os trens da MRS passam "dentro" de favelas, em alguns trechos a inacreditáveis 50 centímetros dos barracos. A faixa de domínio da ferrovia foi invadida e a atitude passiva da RFFSA e dos municípios, à época, permitiu que verdadeiras comunidades se instalassem ao lado das linhas. A situação, além da degradação social e dos riscos à segurança das pessoas, obriga a redução da velocidade dos trens para 5 km/h, penalizando os clientes e trazendo graves transtornos à operadora. As ferrovias, em levantamento recente, identificaram 824 focos de invasões, em todo o país. Não dá para pensar num sistema ferroviário eficiente sem a solução deste problema, uma questão social, que exige soluções de planejamento urbano e habitação, articuladas entre municípios, estados e União.
As principais cidades brasileiras surgiram e se consolidaram no entorno das linhas férreas, que, historicamente, foram caminhos indutores do desenvolvimento. Com isso, chegamos a uma situação em que os cerca de 28 mil quilômetros da malha ferroviária brasileira são cortados por 12.500 passagens em nível (cruzamento com vias de tráfego de carros e pedestres). Destas, 2.503 foram classificadas como críticas, considerando fatores como riscos para pedestres e motoristas e interferência no tráfego. A implementação de um programa de obras nestes cruzamentos é fundamental para a segurança e redução dos transtornos às comunidades e para permitir o aumento da velocidade média dos trens, melhorando o desempenho operacional do transporte ferroviário de cargas.
Para cruzar a região metropolitana de São Paulo, os trens de carga compartilham as linhas com composições de transporte de passageiros. Com isso, só são autorizados a circular em períodos reduzidos do dia e da noite e sofrem restrições de peso e volume. Este gargalo limita o crescimento da ferrovia justamente no coração do Estado que lidera a produção industrial brasileira. A segregação de linhas e a construção de um contorno ferroviário (o Ferroanel) são projetos que já estão prontos e precisam sair do papel para solucionar o problema, que afeta de forma significativa a economia brasileira.
O desestímulo ao setor e a ausência de foco na diversificação de cargas e na conquista de novos mercados, características marcantes da fase anterior à privatização, definiram um panorama em que a ferrovia ainda é muito pouco atraente para a chamada carga geral. A ausência de terminais adequados e eficientes desafia a todos: clientes, operadores logísticos, transportadores e governo. A ineficiência dos portos é outro limitador grave, especialmente na interface da nossa economia com o mundo exterior.
A nova fase da história da ferrovia no Brasil passa pela superação destas barreiras. E, para isso, é preciso investimento. Investimento em obras que solucionem os gargalos nas travessias dos centros urbanos. Investimento na segregação das linhas de carga e na construção do Ferroanel. Investimentos em terminais inteligentes que favoreçam a prática efetiva de relações intermodais que atendam as necessidades dos clientes. Investimento nos portos. Investimentos sociais na solução dos conflitos decorrentes das passagens em nível e da ocupação das faixas de domínio das ferrovias.
E, para que estes investimentos fundamentais se viabilizem, é indispensável a participação e articulação do Governo brasileiro. É urgente a definição de uma estratégia clara e com visão de longo prazo para as questões de infra-estrutura de transporte, contemplando projetos e ações capazes de eliminar os gargalos e permitir que a ferrovia assuma efetivamente o seu papel indispensável ao desenvolvimento nacional.
É este o trilho seguro que pode nos conduzir a um futuro em que o apagão logístico e suas conseqüências dramáticas não passem de pesadelo. Um futuro em que compartilharemos o sonho de um país produtivo, eficiente, desenvolvido e justo.
JULIO FONTANA NETO
Presidente da MRS Logística S.A.
Lescaut,
O que o Júlio Fontana diz nesta carta é a mais pura verdade.
Poucas são as empresas que usam o modal ferroviário para escoar sua produção, ou para receber insumos.Grandes empresas já utilizaram ferrovia e deixaram de usá-la por "n" motivos (desde restrições de horários a vandalismo às cargas). Devido ao meu trabalho, visito muitas empresas, e até hoje, só vi duas usando a ferrovia para receber bobinas de aço, uma em SP e outra em Três Corações, MG.
Aqui em SP, um dos moitivos foi a convivência não muito amistosa entre os trens de passageiros e os cargueiros, que infelizmente compartilham vias ao invés de faixa de domínio. Isso gera transtornos tanto às linhas urbanas (que não são mais suburbanas há anos) quanto às duas concessionárias de carga que operam a malha de cargas, ALL e MRS. Sem falar que, ao que me consta, há dificuldades de se fazer o controle de tráfego compartilhado por sinalização não totalmente compatível em alguns casos...
As concessionárias assumiram a malha numa situação lastimável, investiram primeiro em tentar aproveitar o que já existia, pra depois melhorar as condições (vê-se as duas empresas que citei comprando vagões e a MRS comprou até locomotivas zero). Esses investimentos não são nada pequenos, cara!
O grande problema é que aqui no Brasil só se espera pelo Estado investir em infraestrutura. Não sei se isso é por conta de legislação ou de outro fator, mas é o que ocorre.
E enquanto isso, vamos caminhando pro apagão logístico previsto pelo sr Júlio...