Olá,
Como para complementar um pouco esta sequência de posts, vou utilizar a recente introdução das locomotivas da série 4700 para tecer algumas considerações...
Alguns de vocês que acompanham forums portugueses, sabeis que a série 4700 é a mais recente a entrar ao serviço da CP Carga (o sector de Cargas da empresa Comboios de Portugal, EP)
Trata-se de uma locomotiva eléctrica de 4 eixos na disposição Bo-Bo, 4784 Kw (6373 CV) de potência nas rodas, 300 kN de esforço máximo de tracção no arranque, 140 km/h de velocidade máxima e um pouco mais de 87 T de peso.
Foram comprados 25 exemplares à Siemens para utilização exclusiva em serviços de mercadorias. Depois de um período de testes e homologação (longos e complicados), todas as unidades estão agora em serviço e cumprindo com os requisitos que lhe são exigidos.
A actual diminuição do tráfego devido à crise económica, junto com a introdução das 4700, provocou uma alteração radical na frota da CP Carga. As locomotivas electricas clássicas das séries 2500, 2550 e mesmo algumas “nez cassee” da serie 2600, foram colocadas fora de serviço.
As fotos seguintes são todas de Pedro Sabino (excepto quando expressamente referido) e foram publicadas em diversos foruns portugueses.
E agora as séries que estão a ser retiradas
série 2500 (foto de Daniel Costa):
série 2550 (foto de Pedro Sabino):
série 2600/2620 (foto de Pedro Sabino):
Na generalidade, a velocidade máxima dos comboios de mercadorías em Portugal (e na Europa) varia entre os 100 e os 120 km/h. No entanto existem tipos de comboios bloco que estão permitidos a velocidades mais elevadas. Os expressos de contentores, denominados TECOS, podem circular a 140 km/h e existem composições de transporte de produtos perecíveis que circulam a 160 km/h, existindo mesmo os que circulam a 200 km/h e através das linhas de Alta Velocidade (já falamos sobre esses noutro post). O expoente máximo são os TGV La Poste que apenas transportam correio e circulam, como os outros comboios de AV, a 300 km/h.
No contexto europeu, a velocidade máxima bem como o comprimento e peso dos comboios de mercadorias não depende simplesmente de uma análise económica de custo/benefício mas também, e muito, do problema da ocupação de canais nas linhas troncais. A linha do Norte em Portugal é um exemplo ilustrativo. Trata-se de uma linha com uma altíssima densidade de circulações de todo o tipo, em que mesmo nas zonas de via quadrupla, a quantidade de comboios de mercadorias, suburbanos, regionais, inter-regionais, inter-cidades, alfas pendulares, circulações de serviço, etc., tornam a exploração muito complicada. E quando o diferencial de velocidade e ordem de paragens entre os diversos tipos de comboios é muito grande, tudo se complica ainda mais. Imaginem colocar um mercadorias a arrastar-se a 100 km/h no meio dos suburbanos que circulam a 140, os Inter-cidades a 160 ou 200 e os Alfa-pendulares a 220.
Uma questão que tem sido colocada é qual o motivo de as modernas locomotivas electricas serem quaise todas de 4 eixos e não, como aconteceu até aos anos 70, de seis.
A resposta é simplíssima senão vejamos:
Antes de mais, um bogie de 4 eixos é mais leve, barato e simples que um de seis. São menos 2 motores, sistemas de freios, eixos e rodas, etc. Logo é só vantagens... Mas então porque é que não se fizeram sempre assim?
1) Desde sempre os operadores solicitaram à industria a construção de locomotivas mais poderosas de forma a ser possível rebocar composições mais pesadas e/ou mais rápidas. No entanto, o aumento de potência resulta normalmente no aumento do peso. Esta relação entre potência e peso resulta das tecnologias utilizadas e, em ultima análise da ciência e do conhecimento;
2) Por outro lado, os parámetros de construção das vias são função do tráfego que têm de suportar. Quanto mais elevados são os parâmetros de qualidade da via, mais cara é a sua construção e manutenção.
3) Estes custos aumentam na razão directa do aumento das frequências, pesos e principalmente, velocidade dos comboios. A máxima é “quanto mais rápido e pesado mais cara é a via”.
Do acima exposto é fácil de concluir que esta relação entre peso e potência é crucial e, consequentemente, a forma de transmissão de esse peso à via também. Os orgãos que suportam essa transmissão são os boguies e, no final, os eixos e as rodas. O peso do veículo tem de ser distrubuído por eles de forma a manter-se dentro dos limites suportáveis pela via (peso máximo por eixo e peso máximo por metro linear).
Por outro lado
4) Quanto mais pesado, longo e mais pontos de contacto com a via (rodas) tiver um bogie, maior é a sua agressividade para a mesma. Agressividade essa que aumenta exponencialmente com a velocidade.
Bom, a conclusão de tudo isto é que, tal como na fórmula 1, quanto mais potente e leve melhor, e sendo mais leve, são necessários menos eixos para repartir o peso adequadamente pela via.
(Um bom exemplo é o facto de os donos da infraestrutura, ie, das vias, cobrarem taxas de utilização aos operadores em função de diversos parâmetros. Entre eles estão a velocidade, peso por eixo e massa não suspendida)
O desenvolvimento tecnológico actual, principalmente na electrónica de potência com a utilização de IGBTs, motores eléctricos assincronos e sistemas informáticos de controlo, permite construir pequenas locomotivas de menos de 90 Toneladas de peso (<22.5 T por eixo), com potências à volta dos 6000 Kw e esforço de tracção de 300 kN e, principalmente, altamente modulares ao ponto de as locomotivas poderem durante a sua vida serem costumizadas sem grandes impactos tecnológicos ou custos.
As 4700 da CP Carga estão preparadas para, sem grande dificuldade, passarem da actual bitola ibérica para a standard ou para embarcarem os sistemas de controlo automático de velocidade e a componente de tracção a 3.000 V CC de forma a verem o seu raio de acção extendido a Espanha logo que tal venha a ser necessário.
A tecnologia do diesel, apesar do muito que se tem desenvolvido, não permite este tipo de performances e, tem tambem de lidar com as restrições sempre crescentes aos níveis de consumo e emissões. Tambem a manutenção do diesel é mais cara e delicada que a do material electrico semelhante, e finalmente, a sua eficiencia mais baixa. Uma locomotiva diesel perde entre o eixo do motor e as rodas, cerca de 20% da potência do motor (este é um dos motivos porque os construtores americanos, típicamente não indicam a potência medida nas rodas e as entidades supervisoras, AAR e FRA tambem não o obrigam. Na Europa a UIC tem isso como mandatório).
De um ponto de vista histórico, e sem desprimor pelo muito que se passou antes, existem duas locomotivas electricas que marcaram e estiveram na origem do ponto a que se chegou hoje:
1) A série Ae 4/4 dos BLS (Berne – Lötschberg – Simplon) na Suiça. Construida em 1944/45 pelas casas SLM Winterthur e BBC, foi a primeira Bo-Bo (aderência total) de 80 T e 4000 HP de potência:
2) A série Rc dos SJ (Caminhos de Ferro Suecos). Desenvolvida e construida pela ASEA em 1967/68, a primeira aplicação generalizada da electrónica de potência e dos tiristores:
este é um optimo site para todos os que se interesam pela tracção nos caminhos de ferro europeos:
http://www.railcolor.net/index.php?nav=1000001&lang=1
E não me canso de postar as fotos do Pedro Sabino. São excelentes:
Abraços
rp