No caminho do TAV, 38 cidades, dúvidas e resistências
Enviado: 22 Nov 2010, 13:59
No caminho do TAV, 38 cidades, dúvidas e resistências
De Campinas, no interior de São Paulo, até a capital fluminense, o primeiro trem de alta velocidade (TAV) do País vai cortar 38 municípios numa grande trilha de 511 quilômetros de extensão. No meio do caminho, vai atravessar - e modificar - paisagens exuberantes, reservas ambientais, condomínios de luxo, prédios públicos e comunidades carentes. Vai encontrar também moradores confusos, agricultores assustados e prefeitos descontentes com o traçado, dispostos a tudo para evitar os estragos que o projeto pode trazer ou para abrigar uma estação da ferrovia - forma de compensar os prejuízos.
Com o trajeto referencial (que servirá de base para os consórcios) em mãos, a reportagem do Estado percorreu todas as cidades atingidas pelo projeto, cujo processo de licitação vai começar no dia 29 e terminar em 16 de dezembro, se o governo federal não decidir adiar o leilão. O ponto de partida do poderoso trem-bala, que alcançará até 350 km por hora, será praticamente ao lado da imponente Estação Ferroviária de Campinas, que protagonizou os anos dourados do transporte de passageiro sobre trilhos no Brasil. O local foi entroncamento de diversas ferrovias, como a Paulista, Mogiana, Sorocabana e Ramal Férreo Campineiro. Hoje o prédio, de 1884, abriga a Estação Cultura (Secretaria Municipal de Cultura).
Em Campinas, o trem não causará grandes transtornos. Ele vai acompanhar o traçado da antiga linha da Fepasa até o trevo da empresa Bosch. Dali passará pelo Aeroporto de Viracopos, onde haverá uma estação ferroviária. Depois atravessará uma área invadida, bastante precária, e chegará a Itupeva, onde começa a incomodar. O traçado do trem passa em cima do loteamento da Fazenda da Grama, uma área nobre onde está sendo construído um condomínio de luxo, diz o diretor de Obras do município, Francisco Adolfo de Arruda Fanchini.
Pelo mapa referencial, a portaria e uma das mansões já construídas teriam de ser desapropriadas. Detalhe: um terreno no condomínio custa em torno de R$ 500 mil. Para completar o pacote, o trem tornará inviável o projeto de construção de um campo de golfe na cidade, cujo terreno já foi comprado por quase R$ 1 milhão, e atinge diretamente uma área industrial. A prefeitura já propôs dois novos traçados para evitar os prejuízos. Quem não vai gostar muito é o município vizinho.
"Sugerimos que o trem cruze a Rodovia dos Bandeirantes, passe pela cidade de Vinhedo, onde não tem áreas ocupadas, e vá para Viracopos. Na outra alternativa, a sugestão é fazer esse traçado e incluir uma parada para atender a região dos parques (Hopi Hari, Wet"n Wild e o Outlet Premium). Do jeito que está não trará benefício nenhum para os moradores daqui."
Em Caieiras, a 35 km da capital paulista, o TAV vai encontrar um prefeito em pânico com o empreendimento. "A linha vai passar dentro do centro nervoso da cidade, que já convive com uma linha da CPTM", afirma Roberto Hamamoto. A convite do prefeito de Jundiaí, ele participou da audiência pública realizada na região com o objetivo de esclarecer as dúvidas sobre o projeto.
Para sua surpresa, Hamamoto descobriu que o trem não apenas vai dividir a cidade como vai passar em cima da nova sede da prefeitura, em construção desde 2008 numa área de 6 mil metros quadrados. Os estragos não param por aí: o traçado atinge também um hospital, uma escola e a delegacia da cidade, além de imóveis de baixa renda. "Minha preocupação é que o dinheiro que essa população mais pobre vai receber por suas residências (de baixa renda) não dê para comprar outro imóvel na região. Para onde essas pessoas vão?"
A sugestão do prefeito é que o trem seja subterrâneo, como vai ocorrer em São Paulo e Guarulhos. Nas duas cidades, que terão paradas no Campo de Marte e no Aeroporto de Cumbica, a maioria dos 50 km de linhas será construída embaixo da terra. "As obras de superfície são mais baratas, mas há uma série de outras questões que têm de ser avaliadas na hora de fechar um projeto. Nos trechos de São Paulo e Rio, por exemplo, além da questão do som, há o perigo de ataques ao trem ao passar por áreas consideradas de maior risco", afirma o diretor do Departamento de Engenharia de Mobilidade e Logística do Instituto de Engenharia, Vernon Kohl.
Na avaliação dele, porém, o maior risco do projeto não está na engenharia, altamente capacitada para ultrapassar obstáculos. O principal problema é a questão ambiental, já que o trem vai passar por regiões complexas. É o caso, por exemplo, do município de Santa Isabel, a 57 km de São Paulo, onde 82% do território é considerado área de manancial.
"Qualquer obra na região precisa passar por rígido processo ambiental e nem sempre é aprovada", afirma a secretária de Governo e Coordenação, Maria Angela Sanches. Ela conta que o trem-bala vai atingir antigas pedreiras (concedida de acordo com regras ambientais antigas) que empregam um número grande de pessoas na cidade. Mas também vai cruzar o condomínio de luxo Aralu, deixando os moradores sem saída para as principais rodovias do Estado.
Em São José dos Campos, o foco da discórdia é o Banhado, cartão postal do município que vai virar área de proteção ambiental. Ali, o trem-bala vai circular por meio de pontes e atravessar o centro em um grande túnel. O local tem sido frequentemente visitado pelos estrangeiros, que estudam o TAV. "Os últimos a passarem por aqui foram os franceses", conta Seu Lino, um guardador de carros que acompanha todo o vaivém do local. Para compensar os impactos, São José dos Campos disputa com outros municípios do Vale do Paraíba a construção de uma estação. Na briga, estão Jacareí e Taubaté.
Enquanto isso, Aparecida já tem parada garantida. O traçado do trem, contudo, passa apenas nas cidades de Potim e Guaratinguetá. Uma das duas cidades receberá a estação, de onde será feito um ramal para a Basílica, um importante centro de peregrinação do País. Mas, se os comerciantes estão otimistas com o progresso que o empreendimento poderá trazer, os agricultores e pecuaristas não podem nem ouvir falar da passagem do trem. A região é uma importante produtora de arroz e de leite.
"Todos os dias chegam vários agricultores desesperados aqui em busca de informações sobre o trem, que vai passar em cima de suas propriedades", conta a secretária da Associação Agropecuária e Sindicato Rural de Guaratinguetá, Marcia Valença. "Já vi gente passar mal por causa desse projeto", diz ela, que também sentirá os efeitos da obra. O TAV passará ao lado de sua casa.
O trecho paulista do trem-bala termina na charmosa cidade de Queluz. No município, de 11 mil habitantes, o povo está pouco interessado se o trem-bala vai ou não passar pela cidade, que hoje é rasgada pela Rodovia Presidente Dutra. "Não vai mudar em nada nossa vida", diz Vicente Vale, morador da cidade. Isso até as obras começarem.Ao entrar no Estado do Rio de Janeiro, o traçado do trem-bala vira assunto desconhecido da maioria da população, apesar de algumas prefeituras disputarem a construção de estações. Por lá, tem gente que nem sabe que existe um projeto e como ele será. É o caso de Valéria Arruda, atendente num restaurante de Resende, no interior do Rio. "Não sabia desse trem, mas não vou querer andar nele não. Prefiro os trens antigos, que andavam devagarzinho", diz ela, depois de saber que o TAV poderá alcançar 350 km por hora.
Quando adolescente, Valéria era passageira assídua de um trem entre Quatis (RJ) a Andrelândia (MG), onde ocorriam as principais festas da região. "Demorava umas cinco horas para chegar, mas eu e minhas amigas íamos conversando. Nem percebia o tempo passar." Enquanto Valéria nem faz questão de saber muito sobre o TAV, a prefeitura de Resende luta para garantir uma estação na cidade. "Aqui tem área de sobra para passar o trem-bala. Com uma estação, vamos atrair mais investimentos", diz o secretário municipal, Alfredo José de Oliveira, que disputa a parada com Barra Mansa e Volta Redonda.
Em Itatiaia, as pessoas também desconhecem onde o trem vai passar. As moradoras Luciane Dumay e Marta Cotrim souberam do empreendimento depois que alguns coreanos fizeram medições em áreas próximas de suas propriedades. Apesar disso, elas são favoráveis à construção do TAV. "Só não pode passar em cima da minha casa", brinca Marta, que tem uma pousada na região. A cidade abriga o Parque Nacional de Itatiaia e a represa da Hidrelétrica de Funil, da estatal Furnas Centrais Elétricas. O trem passa ao lado da lagoa da usina.
Em Barra Mansa, o TAV vai cruzar a antiga Ferrovia do Aço (operada pela concessionária MRS), o Rio Paraíba do Sul e a Rodovia Presidente Dutra, num pontilhão. As novas instalações vão contrastar com viadutos e túneis antigos para a passagem de trens de cargas.
Transposição da Serra das Araras. No Estado, uma das áreas mais delicadas será a transposição da Serra das Araras, que deve ser feita por meio de túneis. Para pessoas leigas em engenharia, fica difícil entender como o trem vai superar os obstáculos do enorme degrau da serra, uma das paisagens mais deslumbrantes do traçado. Depois desse obstáculo, o trem chegará à baixada fluminense, onde passará por áreas densamente povoadas.
A primeira cidade a ser cortada pelo traçado é Queimados, de 134 mil habitantes. Em seguida, passa pelo município de Nova Iguaçu, onde o trem já causou polêmica. A antiga administração estava disposta a impedir que o trem cruzasse a cidade. Com mudanças no comando da prefeitura, por causa das eleições, o assunto foi meio esquecido.
De acordo com o mapa referencial, a ferrovia atravessará um trecho da Reserva Biológica de Tinguá. Além disso, atingiria a Fazenda São Bernardino, construída em 1875 em estilo neoclássico. Na época, a propriedade rural produzia café, açúcar, aguardente, farinha de mandioca e extraia muita madeira, além de exportar carvão. Foi tombada pelo Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e, na década de 80, um incêndio criminoso arrasou a fazenda, que está em ruínas.
Depois de ultrapassar Belfort Roxo e Duque de Caxias, o TAV chegará a capital fluminense. Primeiro terá uma parada no Aeroporto do Galeão e terminará seu trajeto de 511 km na estação Leopoldina, um pouco à frente da Central do Brasil. Até chegar ao ponto final, o trem passará por 90,9 km de túnel, 107,8 km de pontes e 312,1 km de superfície.
Depois de pronto, a expectativa é que a viagem seja feita em 1h33. Mas isso se não houver nenhuma parada. "O TAV terá o objetivo de suprir as dificuldades de demanda enfrentadas especialmente pelo transporte aéreo", diz o ministro dos Transportes, Paulo Sérgio Passos, em recente evento em São Paulo.
De acordo com o presidente da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), Bernardo Figueiredo, o trem-bala terá sete estações obrigatórias: Campinas, Aeroporto de Viracopos, Campo de Marte (SP), Aeroporto de Guarulhos, Aparecida, Aeroporto do Galeão (RJ) e Rio. Mas, dependendo do vencedor, outras estações poderão ser abertas no Vale do Paraíba fluminense e paulista. Todo o traçado também poderá sofrer mudanças.
De Campinas, no interior de São Paulo, até a capital fluminense, o primeiro trem de alta velocidade (TAV) do País vai cortar 38 municípios numa grande trilha de 511 quilômetros de extensão. No meio do caminho, vai atravessar - e modificar - paisagens exuberantes, reservas ambientais, condomínios de luxo, prédios públicos e comunidades carentes. Vai encontrar também moradores confusos, agricultores assustados e prefeitos descontentes com o traçado, dispostos a tudo para evitar os estragos que o projeto pode trazer ou para abrigar uma estação da ferrovia - forma de compensar os prejuízos.
Com o trajeto referencial (que servirá de base para os consórcios) em mãos, a reportagem do Estado percorreu todas as cidades atingidas pelo projeto, cujo processo de licitação vai começar no dia 29 e terminar em 16 de dezembro, se o governo federal não decidir adiar o leilão. O ponto de partida do poderoso trem-bala, que alcançará até 350 km por hora, será praticamente ao lado da imponente Estação Ferroviária de Campinas, que protagonizou os anos dourados do transporte de passageiro sobre trilhos no Brasil. O local foi entroncamento de diversas ferrovias, como a Paulista, Mogiana, Sorocabana e Ramal Férreo Campineiro. Hoje o prédio, de 1884, abriga a Estação Cultura (Secretaria Municipal de Cultura).
Em Campinas, o trem não causará grandes transtornos. Ele vai acompanhar o traçado da antiga linha da Fepasa até o trevo da empresa Bosch. Dali passará pelo Aeroporto de Viracopos, onde haverá uma estação ferroviária. Depois atravessará uma área invadida, bastante precária, e chegará a Itupeva, onde começa a incomodar. O traçado do trem passa em cima do loteamento da Fazenda da Grama, uma área nobre onde está sendo construído um condomínio de luxo, diz o diretor de Obras do município, Francisco Adolfo de Arruda Fanchini.
Pelo mapa referencial, a portaria e uma das mansões já construídas teriam de ser desapropriadas. Detalhe: um terreno no condomínio custa em torno de R$ 500 mil. Para completar o pacote, o trem tornará inviável o projeto de construção de um campo de golfe na cidade, cujo terreno já foi comprado por quase R$ 1 milhão, e atinge diretamente uma área industrial. A prefeitura já propôs dois novos traçados para evitar os prejuízos. Quem não vai gostar muito é o município vizinho.
"Sugerimos que o trem cruze a Rodovia dos Bandeirantes, passe pela cidade de Vinhedo, onde não tem áreas ocupadas, e vá para Viracopos. Na outra alternativa, a sugestão é fazer esse traçado e incluir uma parada para atender a região dos parques (Hopi Hari, Wet"n Wild e o Outlet Premium). Do jeito que está não trará benefício nenhum para os moradores daqui."
Em Caieiras, a 35 km da capital paulista, o TAV vai encontrar um prefeito em pânico com o empreendimento. "A linha vai passar dentro do centro nervoso da cidade, que já convive com uma linha da CPTM", afirma Roberto Hamamoto. A convite do prefeito de Jundiaí, ele participou da audiência pública realizada na região com o objetivo de esclarecer as dúvidas sobre o projeto.
Para sua surpresa, Hamamoto descobriu que o trem não apenas vai dividir a cidade como vai passar em cima da nova sede da prefeitura, em construção desde 2008 numa área de 6 mil metros quadrados. Os estragos não param por aí: o traçado atinge também um hospital, uma escola e a delegacia da cidade, além de imóveis de baixa renda. "Minha preocupação é que o dinheiro que essa população mais pobre vai receber por suas residências (de baixa renda) não dê para comprar outro imóvel na região. Para onde essas pessoas vão?"
A sugestão do prefeito é que o trem seja subterrâneo, como vai ocorrer em São Paulo e Guarulhos. Nas duas cidades, que terão paradas no Campo de Marte e no Aeroporto de Cumbica, a maioria dos 50 km de linhas será construída embaixo da terra. "As obras de superfície são mais baratas, mas há uma série de outras questões que têm de ser avaliadas na hora de fechar um projeto. Nos trechos de São Paulo e Rio, por exemplo, além da questão do som, há o perigo de ataques ao trem ao passar por áreas consideradas de maior risco", afirma o diretor do Departamento de Engenharia de Mobilidade e Logística do Instituto de Engenharia, Vernon Kohl.
Na avaliação dele, porém, o maior risco do projeto não está na engenharia, altamente capacitada para ultrapassar obstáculos. O principal problema é a questão ambiental, já que o trem vai passar por regiões complexas. É o caso, por exemplo, do município de Santa Isabel, a 57 km de São Paulo, onde 82% do território é considerado área de manancial.
"Qualquer obra na região precisa passar por rígido processo ambiental e nem sempre é aprovada", afirma a secretária de Governo e Coordenação, Maria Angela Sanches. Ela conta que o trem-bala vai atingir antigas pedreiras (concedida de acordo com regras ambientais antigas) que empregam um número grande de pessoas na cidade. Mas também vai cruzar o condomínio de luxo Aralu, deixando os moradores sem saída para as principais rodovias do Estado.
Em São José dos Campos, o foco da discórdia é o Banhado, cartão postal do município que vai virar área de proteção ambiental. Ali, o trem-bala vai circular por meio de pontes e atravessar o centro em um grande túnel. O local tem sido frequentemente visitado pelos estrangeiros, que estudam o TAV. "Os últimos a passarem por aqui foram os franceses", conta Seu Lino, um guardador de carros que acompanha todo o vaivém do local. Para compensar os impactos, São José dos Campos disputa com outros municípios do Vale do Paraíba a construção de uma estação. Na briga, estão Jacareí e Taubaté.
Enquanto isso, Aparecida já tem parada garantida. O traçado do trem, contudo, passa apenas nas cidades de Potim e Guaratinguetá. Uma das duas cidades receberá a estação, de onde será feito um ramal para a Basílica, um importante centro de peregrinação do País. Mas, se os comerciantes estão otimistas com o progresso que o empreendimento poderá trazer, os agricultores e pecuaristas não podem nem ouvir falar da passagem do trem. A região é uma importante produtora de arroz e de leite.
"Todos os dias chegam vários agricultores desesperados aqui em busca de informações sobre o trem, que vai passar em cima de suas propriedades", conta a secretária da Associação Agropecuária e Sindicato Rural de Guaratinguetá, Marcia Valença. "Já vi gente passar mal por causa desse projeto", diz ela, que também sentirá os efeitos da obra. O TAV passará ao lado de sua casa.
O trecho paulista do trem-bala termina na charmosa cidade de Queluz. No município, de 11 mil habitantes, o povo está pouco interessado se o trem-bala vai ou não passar pela cidade, que hoje é rasgada pela Rodovia Presidente Dutra. "Não vai mudar em nada nossa vida", diz Vicente Vale, morador da cidade. Isso até as obras começarem.Ao entrar no Estado do Rio de Janeiro, o traçado do trem-bala vira assunto desconhecido da maioria da população, apesar de algumas prefeituras disputarem a construção de estações. Por lá, tem gente que nem sabe que existe um projeto e como ele será. É o caso de Valéria Arruda, atendente num restaurante de Resende, no interior do Rio. "Não sabia desse trem, mas não vou querer andar nele não. Prefiro os trens antigos, que andavam devagarzinho", diz ela, depois de saber que o TAV poderá alcançar 350 km por hora.
Quando adolescente, Valéria era passageira assídua de um trem entre Quatis (RJ) a Andrelândia (MG), onde ocorriam as principais festas da região. "Demorava umas cinco horas para chegar, mas eu e minhas amigas íamos conversando. Nem percebia o tempo passar." Enquanto Valéria nem faz questão de saber muito sobre o TAV, a prefeitura de Resende luta para garantir uma estação na cidade. "Aqui tem área de sobra para passar o trem-bala. Com uma estação, vamos atrair mais investimentos", diz o secretário municipal, Alfredo José de Oliveira, que disputa a parada com Barra Mansa e Volta Redonda.
Em Itatiaia, as pessoas também desconhecem onde o trem vai passar. As moradoras Luciane Dumay e Marta Cotrim souberam do empreendimento depois que alguns coreanos fizeram medições em áreas próximas de suas propriedades. Apesar disso, elas são favoráveis à construção do TAV. "Só não pode passar em cima da minha casa", brinca Marta, que tem uma pousada na região. A cidade abriga o Parque Nacional de Itatiaia e a represa da Hidrelétrica de Funil, da estatal Furnas Centrais Elétricas. O trem passa ao lado da lagoa da usina.
Em Barra Mansa, o TAV vai cruzar a antiga Ferrovia do Aço (operada pela concessionária MRS), o Rio Paraíba do Sul e a Rodovia Presidente Dutra, num pontilhão. As novas instalações vão contrastar com viadutos e túneis antigos para a passagem de trens de cargas.
Transposição da Serra das Araras. No Estado, uma das áreas mais delicadas será a transposição da Serra das Araras, que deve ser feita por meio de túneis. Para pessoas leigas em engenharia, fica difícil entender como o trem vai superar os obstáculos do enorme degrau da serra, uma das paisagens mais deslumbrantes do traçado. Depois desse obstáculo, o trem chegará à baixada fluminense, onde passará por áreas densamente povoadas.
A primeira cidade a ser cortada pelo traçado é Queimados, de 134 mil habitantes. Em seguida, passa pelo município de Nova Iguaçu, onde o trem já causou polêmica. A antiga administração estava disposta a impedir que o trem cruzasse a cidade. Com mudanças no comando da prefeitura, por causa das eleições, o assunto foi meio esquecido.
De acordo com o mapa referencial, a ferrovia atravessará um trecho da Reserva Biológica de Tinguá. Além disso, atingiria a Fazenda São Bernardino, construída em 1875 em estilo neoclássico. Na época, a propriedade rural produzia café, açúcar, aguardente, farinha de mandioca e extraia muita madeira, além de exportar carvão. Foi tombada pelo Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e, na década de 80, um incêndio criminoso arrasou a fazenda, que está em ruínas.
Depois de ultrapassar Belfort Roxo e Duque de Caxias, o TAV chegará a capital fluminense. Primeiro terá uma parada no Aeroporto do Galeão e terminará seu trajeto de 511 km na estação Leopoldina, um pouco à frente da Central do Brasil. Até chegar ao ponto final, o trem passará por 90,9 km de túnel, 107,8 km de pontes e 312,1 km de superfície.
Depois de pronto, a expectativa é que a viagem seja feita em 1h33. Mas isso se não houver nenhuma parada. "O TAV terá o objetivo de suprir as dificuldades de demanda enfrentadas especialmente pelo transporte aéreo", diz o ministro dos Transportes, Paulo Sérgio Passos, em recente evento em São Paulo.
De acordo com o presidente da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), Bernardo Figueiredo, o trem-bala terá sete estações obrigatórias: Campinas, Aeroporto de Viracopos, Campo de Marte (SP), Aeroporto de Guarulhos, Aparecida, Aeroporto do Galeão (RJ) e Rio. Mas, dependendo do vencedor, outras estações poderão ser abertas no Vale do Paraíba fluminense e paulista. Todo o traçado também poderá sofrer mudanças.