O transporte público das grandes metrópoles brasileiras, quando comparado a cidades de países desenvolvidos ou mesmo a algumas cidades de países emergentes, apresenta significativas diferenças organizacionais e gerenciais, defasagens tecnológicas e distorções sócio-econômicas. Vou tomar o exemplo de Barcelona, que possui cerca de seis milhões de habitantes e possui um magnífico sistema de transporte público, denominado de Transportes Metropolitanos de Barcelona (TMB), composto por metrô, trens suburbanos e regionais, veículos leves sobre trilhos (bondes elétricos), ônibus urbanos e turísticos, funiculares e táxis. O TMB é coordenado e gerenciado por uma única entidade, a Autoridade de Transporte Metropolitano (ATM), que utiliza um sistema de integração com um único bilhete, que permite ao usuário fazer transferências nos sistemas de metrô, trens, bondes e ônibus, durante uma hora e quinze minutos.
Em complemento ao TMB, a infra-estrutura viária da cidade possui avenidas largas, com faixas segregadas para ônibus e táxis, ciclovias demarcadas, estacionamentos subterrâneos, mergulhões, boa sinalização e semaforização sincronizada. Não existem, obviamente, transportes alternativos e clandestinos, visto que o poder público não dá espaço para tais anomalias, simplesmente porque atende com competência e eficácia as demandas por transporte da população. Existe ainda segurança pública, dentro e fora do sistema de transporte e tudo funciona nos horários pré-estabelecidos. Os usuários do TMB podem comprar seus bilhetes integrados em todas as estações de bondes e metrô, através de eficientes máquinas que aceitam cartões de crédito e dinheiro ou nas bilheterias tradicionais do metrô. Os congestionamentos são raros ou toleráveis, mesmo nas horas de rush.
Aí, o caro leitor pode argumentar que Barcelona pertence a uma cultura avançada, de Primeiro Mundo etc e tal. Concordo, mas eles começaram tudo isso um dia e vieram evoluindo progressivamente para atingirem o estágio atual. Por que Barcelona e outras grandes cidades espanholas, como Madri, Sevilha e Bilbao, além de outras metrópoles européias, como Paris, Londres, Bruxelas, possuem excelentes sistemas de transporte público? Por que os países europeus investem tanto em transporte público? Simplesmente, os europeus perceberam que o transporte público é fundamental para a melhoria da qualidade de vida das pessoas.
Do lado dos países emergentes ou em desenvolvimento, os governantes também perceberam que sistemas eficientes e eficazes de transporte públicos levam felicidade, tranqüilidade e bem estar para a população, atraem investimentos externos e desenvolvem o grande filão econômico que é o turismo. Nessa situação, posso citar os casos de Santiago do Chile, Cidade do México e Pequim, na China, que possuem redes metroviárias mais extensas e sistemas de transporte público mais competentes e mais qualitativos que os sistemas de nossas duas maiores cidades, Rio de Janeiro e São Paulo.
No Brasil, o transporte público não apresenta boa qualidade, carece de grandes investimentos em sistemas integrados e não goza de boa reputação com a população urbana, visto que sua imagem está associada a congestionamentos, poluição, desconforto, insegurança e perdas de tempo. Ademais, os altos custos tarifários do transporte público geram problemas sociais e infelicidade para a população das cidades, bem como malefícios para a economia como um todo, como, por exemplo, desemprego e favelização, bem como aumento dos moradores de rua das grandes cidades, uma vez que os empregadores buscam trabalhadores com moradias próximas aos locais de trabalho, para reduzir faltas, atrasos e gastos com transporte.
Então, qual seria a solução para o transporte público no Brasil? Sem dúvida alguma, a solução são os trens e metrôs. Nos países desenvolvidos, não há registro de regiões metropolitanas densamente povoadas, com mais de 10 milhões de habitantes, que contabilizam 70% dos deslocamentos de seus habitantes realizados por ônibus, como ocorre, por exemplo, no Rio de Janeiro e em São Paulo. As grandes metrópoles mundiais possuem competentes sistemas metroferroviários, de alta capacidade, para atender demandas dessa natureza, de forma integrada com os demais modos de transporte complementares e alimentadores.
Os estudos de viabilidade econômica dos projetos metroferroviários mostram claramente que são gerados benefícios sócio-econômicos suficientes para superar os investimentos públicos realizados, tais como as reduções de acidentes de trânsito, diminuição dos tempos de viagem, economia de combustíveis, eliminação de congestionamentos, redução das poluições atmosférica e sonora, valorização imobiliária, estruturação urbana, redução dos custos de manutenção das vias urbanas e aumento de arrecadação tributária, além de benefícios intangíveis como conforto, segurança, tranqüilidade e qualidade de vida. Em última análise, as grandes regiões metropolitanas brasileiras precisam, urgentemente, de sistemas de transporte público baseados em espinhas dorsais metroferroviárias, abrangentes e integradas aos demais modos de transporte, para, no futuro, nossos descendentes possam usufruir de melhor mobilidade urbana e de um meio ambiente mais agradável.
Fonte: Marcus Quintella*, Blog Mercado Ético – Portal Terra, 06/03/2009.
(*) Marcus Quintella é doutor em Engenharia de Produção pela COPPE/UFRJ, mestre em Transportes pelo Instituto Militar de Engenharia (IME), considerado um dos principais especialistas em transportes urbanos. Professor da Fundação Getúlio Vargas e do IME. É atualmente Diretor Técnico da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU).
Achei muito pertinente a opinião desse especialista. É algo que já ouvimos falar muito, mas que é sempre bom reforçar! O Brasil em geral tem que se conscientizar disso...